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Viver deve ser um ato poético

O ator espanhol Roberto Álamo parece não fazer ideia do quanto sua aparência impressiona. No palco ou fora dele, seu quase um metro e noventa e seu físico trabalhado não passam despercebidos, mas ele não se importa com isso.

Apaixonado pelo que faz, o ator se realiza também escrevendo poesia e tirando fotografias, paixão descoberta em 2005, com um aparelho celular, até passar para uma cyber-shot e desta para uma câmera profissional e, finalmente, para uma “supercâmera”.

Simpático, o ator falou ao blog do MIRADA sobre seu personagem na peça “Urtaín”, da Companhia Animalario – que fez parte da programação do Festival na sexta e no sábado e refaz a trajetória do boxeador José Manuel Ibar, conhecido como Urtaín, transformado em ícone da ditadura de Franco – e o novo filme de Pedro Almodóvar, “La Piel que Habito” (do espanhol, “A Pele que Habito”, em tradução literal).

Em seu currículo, somam 10 filmes, mas Álamo (ou Rober, para os amigos), diz preferir o teatro. Leia a entrevista que o ator concedeu na tarde de sábado (04/09), na piscina do hotel em que está hospedado, acompanhado de sua mulher e musa, Diana – “a melhor doutora em psicologia infantil da Colômbia”, em elogio suspeitíssimo de Rober – e pelo diretor de “Urtaín”, Andrés Lima:

Blog do MIRADA – Há quanto tempo vem se dedicando à fotografia?

Roberto Álamo - Faz cinco anos. Porque eu tenho uma visão poética da vida. Sinto-me como um menino inquieto que quer seguir contando coisas. Fotografia, escrever poesia, desenhar, fazer música, tudo isso é uma forma de engrandecer a visão poética da vida. Primeiro, eu escrevo poesia, mas não é suficiente. Então, faz cinco anos, comecei a fotografar com o celular. Uma noite, em Madri, conheci o fotógrafo mais famoso da Espanha, que tem uma aparência muito peculiar, com um topete (Rober não quis revelar o nome, por isso, se alguém que está lendo este post descobrir, ganha o crédito da informação). Eu cheguei nele e disse que fazia fotos. Ele já tinha bebido um pouco e pediu para ver o celular e falou “Cabrón, tu tienes mirada” e me falou para comprar uma câmera. No dia seguinte, eu comprei uma compacta, uma cyber shot. Fiquei um ano tirando fotos com ela. Voltei a encontrar este homem e mostrei-lhe a câmera. Ele continuou gostando das fotos, mas me disse para comprar uma câmera maior. No dia seguinte, saí e comprei uma maior, uma Sony. Um ano depois, essa câmera ficou pequena, pois eu tinha de lutar muito com a luz. Faz seis meses eu comprei uma supercâmera, muito cara, mas vale a pena porque a luz agora é minha aliada.

Para você, o que vem antes? O teatro ou a poesia?

A poesia engloba tudo. É uma forma de me tornar um ser humano melhor. Viver deve ser um ato poético. E o meu trabalho, no caso, o teatro, está dentro disso. Primeiro tenho de buscar a beleza da vida. E eu sempre penso que buscar a beleza da vida é viver mais e melhor e fazer a todos que estão em volta viverem mais e melhor. Na Espanha tem um ditado popular “eu quero para meus filhos o que eu não tive”. Eu não gosto dessa frase. Minha visão poética me obriga a dizer “eu quero que todos os meninos tenham o que eu não tive aqui, na Espanha, na Bulgária, na Austrália, na África, onde quer que seja não importa”. É uma visão mais universal. Eu não ganho dinheiro com poesia, ganho dinheiro sendo ator. Quando escrevo poesia eu coloco na minha página (www.lasfotosderobertoalamo.blogspot.com), assim como minhas fotos, pois eu penso que se algum menino, jovem ou adulto na China ou na Austrália parar em minha página, isso me fará feliz.

Você tem tirado muitas fotos em Santos?

Não trouxe a câmera para Santos. Ela é muito grande e pesada. E como são apenas quatro dias…Eu trouxe o celular, mas não tem mais graça.

É sua primeira vez no Brasil?
Já estive na Bahia. Foram dois meses em Itaparica, em 2003. Mas naquela época eu não fazia fotos.

Por que começou a fotografar?

Mais do que a fotografia, o que me fascina é o ser humano. E a fotografia é uma forma a mais de registrar situações. Fiz uma foto, por exemplo, de um pai dormindo com seu filho (foto abaixo), na verdade, meu cunhado e meu sobrinho. Eles estavam dormindo às quatro da tarde, depois de comer. Quando vejo isso eu não consigo evitar registrar. Não posso atrapalhar, tenho de tirar fotos em silêncio. Eu, como ator não poderia fazer nada naquele momento.

Em seu blog há uma sequência de fotos muito bonita em que você registrou um beijo em um barco.

Foi em um barco argentino no Rio Tigre. O casal estava na minha frente. Era um momento de verdade, era a fantasia da família, uma mãe e um pai que seguravam seus filhos e se olhavam com tanto amor, isso durante toda a viagem. Quando eu percebi que iam se beijar, registrei cada instante até o beijo (abaixo, uma das fotos).

Você tem dado muitas entrevistas depois que estreou “Urtaín”. É culpa do personagem?

Antes de “Urtaín”, não dava nada de entrevistas. Foi depois que começou. Mas isso é devido também à obra, que tem comovido e tocado muito o espectador.

(Neste momento, o diretor Andrés Lima fala)

Andrés Lima - Mas Urtaín tem muita responsabilidade nisso. É um personagem histórico e que foi carismático em seu momento. Ele representava uma imagem que muitos espanhóis precisavam crer. Por seu suicídio, ele criou toda uma corrente de reflexão e vergonha.

Ele foi renegado?

Andrés Lima – Passou a ser um monstro. A televisão o mostrava como um típico personagem alcoolizado, simples, um perdedor. Mas esse foi o papel que Urtaín desempenhou em seu momento bufão. Urtaín foi sepultado, mas o espetáculo demonstra que não foi esquecido. Quando fomos fazer a investigação no País Basco sobre a vida do boxeador, fomos conhecer sua família, seus filhos, o povo, e percebemos que as pessoas sentiam vergonha deles mesmos, porque um homem que se suicida questiona a todos em seu entorno. Foi um homem que ganhou um campeonato da Europa que estava comprado. Toda essa gente que confiou se sente envergonhada de si mesma por ter confiado. É como os alemães diante do fenômeno nazista. Hitler não se fez sozinho. Há toda uma vergonha por este estado de transe, loucura. Urtaín foi necessário no momento em que a Espanha precisava se projetar fora da Espanha. Como aconteceu com outras figuras do esporte, como Pelé, Maradona.

Roberto Álamo – Se conseguirmos que um espectador saia do teatro pensando “isto não se faz com um ser humano”, terá valido muito a pena.

Como surgiu o convite para você atuar em um filme de Almodóvar?

Almodóvar foi ver “Urtaín”. Sua assistente me ligou de Los Angeles, onde ele fora apresentar o Oscar com Quentin Tarantino, e me disse que soube que “Urtaín” ia muito bem de crítica e público. Estávamos em cartaz em Madri. Dez dias depois, ele foi ao teatro nos assistir e então me ligou pessoalmente para me convidar para fazer o filme.

Como é seu personagem?

É um delinquente louco, agressivo, perigoso e brasileiro. Ele fala espanhol, com um ligeiro acento brasileiro (o filme é baseado no romance “Tarântula”, do francês Thierry Jonquet).

É um filme de terror?

É um terror emocional, mais suave, um thriller. Não sei muito do filme porque até agora gravei apenas um dia.

Você está consciente de que poderá se tornar um galã com esse filme de Almodóvar?

Não tenho o tipo físico para isso. Prefiro ser algo mais raro. Estou com 40 anos, eu tenho minha vida, que seguirá seu curso normal.

Será?

Texto e fotos: Carlota Cafiero



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