Nada é absoluto
Por meio do teatro, Enrique Diaz (foto) revela as engrenagens do jogo cênico e, consequentemente, da vida. Afinal, como ele costuma dizer, a realidade é também uma construção. Em “In On It”, que será apresentado no MIRADA, o diretor novamente lança mão do metateatro (peça dentro da peça) – em cena, dois atores ensaiam a história de um homem que está morrendo.
Assim foi nas montagens “Ensaio.Hamlet” e “Gaivota – Tema para um Conto Curto”, em que os atores saíam das personagens para compartilhar suas impressões com a plateia, fragmentando ou dessacralizando as obras de dois ícones do teatro mundial: Shakespeare e Tchekhov.
Até no cinema Diaz se envolveu em projeto que fez uso da metalinguagem: no documentário “Moscou”, de Eduardo Coutinho, ele dirigiu o grupo Galpão na montagem de “As Três Irmãs”, de Tchekhov, feita especialmente para o filme. O documentário põe em xeque a própria função que lhe cabe – a de mostrar a realidade – ao misturar os bastidores da criação cênica à cena de fato.
Leia abaixo, a entrevista que Enrique Diaz concedeu ao Blog do MIRADA, via Facebook:
Blog do MIRADA – Você vive no Brasil, nasceu no Peru, filho de pai paraguaio, tem irmão nascido no México (o ator Chico Diaz). Essas diferentes matrizes influenciaram seu modo de ser e ver o mundo?
Enrique Diaz – Sinceramente não sei dizer de que forma esses aspectos biográficos afetaram meu modo de ver o mundo. Talvez um olhar para a diversidade, um desejo de não ficar preso a padrões hegemônicos, não tenho certeza. Mas me parece que a relação familiar, o tipo de olhar que meus pais têm para a educação dos filhos seja bem mais determinante.
Além do Brasil, você mantém alguma relação especial com seu país de origem ou com outro país latino-americano, além do Brasil?
Não em especial. Aliás, nunca fui ao Peru, o que é curioso.
O que você acha da realização de um festival que reúne produções latinas e ibero-americanas?
Acho festival sempre bom, é uma oportunidade de encontro, de diversidade, de diálogo. O fato de ele ser ibero-americano o torna mais específico, o que me parece bom. Essa olhada geral com esse recorte de nacionalidades e culturas pode ser bem interessante.
Além de participar com “In On It”, você vai conseguir acompanhar um pouco do Festival? O que pretende assistir?
Não tenho certeza se vou poder ira ao festival, em função de outros compromissos, profissionais e familiares, no Rio (de Janeiro). Estou viajando muito com meu outro trabalho, “OUTRO”, e quando chego em casa tenho muita coisa atrasada.
Você tem especial predileção por criações que fazem uso da metalinguagem, do metateatro – a exemplo de“Ensaio.Hamlet”, do próprio “In On It” e do seu envolvimento no filme do cineasta Eduardo Coutinho, “Moscou”, com você dirigindo o grupo Galpão. Por que esse interesse por misturar ficção e realidade, de revelar os processos da obra artística?
Tenho um interesse natural por isso. Acho que a ideia de revelar a construção de algum nível de realidade, qualquer que seja ele, nos ajuda a lembrar que tudo, em última instância, é construção. Identidade, cultura, relações de afeto, convivência, tudo é construção, nada é absoluto. Olhar as engrenagens nos faz perceber, ludicamente, que as coisas são móveis, flexíveis, e que muitas vezes nosso modo de olhar se vicia, nos fazendo inábeis e inflexíveis.
“In On It” ficou oito meses em cartaz em São Paulo. O sucesso poderia ser associado ao interesse do público por essa interface da ficção com a realidade – vide o sucesso dos reality shows?
Não sei se é questão da ficção e realidade que faz o sucesso da peça. A qualidade do texto, no que se refere à estrutura formal aliada a uma pegada bastante afetiva, junto do excelente trabalho dos atores, me parece mais claramente os grandes atrativos da peça, que além dos meses em São Paulo, ficou também meio ano no Rio.
Qual é a magia do texto de Daniel MacIvor?
Ele é muito engenhoso no texto e se utiliza muito bem do que é misterioso para o público junto com o que é muito familiar. Vide alguns elementos quase melodramáticos do texto, que ficam muito bem dentro de uma estrutura feita de camadas.
Você teve de mexer muito na estrutura do texto? Procurou simplificá-lo?
Não mexi absolutamente nada, o que está em cena e o texto do Daniel.
O foco do espetáculo está bastante na dupla de atores, que faz as passagens entre os três níveis que compõem a montagem. Essa opção – de valorizar o trabalho do ator – foi sua ou é uma premissa do texto?
O texto tem esta característica. O autor é ator e na montagem que assisti, ele dirigia. O grau de sofisticação do texto tem muito a ver com o que ele pode esperar das atuações, isso é evidente. Sem bons atores esta peça não existe.
A sua Companhia dos Atores, fundada há 20 anos, corre o risco de acabar. Como o grupo manteve-se por tanto tempo? Qual seria a saída possível para dar continuidade ao trabalho?
A companhia continuou existindo porque a cada momento fizemos a escolha de que queríamos aquilo para nós, aquela convivência, a curiosidade, o trabalho. Tivemos alguns apoios importantes, nunca por período longo, e agora estamos num momento crítico, o que denota um sistema de política cultural que não dá o devido valor a esta continuidade. Basicamente a saída possível é apoio financeiro, para continuarmos a fazer daquele espaço um espaço para a cidade, para o País.
:: serviço
dias 7 e 8 de setembro
terça e quarta | 18h • Teatro Guarany
duração: 1h20
classificação indicativa: 16 anos
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