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Si me permiten hablar

Durante todos os dias e noites do MIRADA, uma senhora ruiva, de olhos azuis, pequenina e inquieta (tanto que essa foto saiu um pouco fora de foco) circulou alegremente por todos os espaços e atrações do Festival. Ela falou e hablou muito. Durante os debates, era ela quem apresentava a mesa, sempre de maneira informal e divertida.

Isabel Ortega, atriz, diretora teatral, cantora lírica e organizadora de eventos que visam o entendimento cultural, faz parte da curadoria do MIRADA – ao lado de Danilo Santos de Miranda (sociólogo e diretor regional do SESC SP); Ramiro Osório (diretor do Festival Internacional de Sevilha); e Pepe Bablé (diretor do Festival Ibero-americano de Teatro de Cádiz).

Nascida em São José do Rio Preto (SP), morou na Capital – onde integrou o Grupo Macunaíma de Teatro, de Antunes Filho –, em Londres e hoje mora em Cádiz, na Espanha.

“Sou filha de imigrantes espanhóis. Vivi dentro da nostalgia, com pais que amavam sua terra e estavam aqui”, disse Isabel ao blog, em entrevista que concedeu no dia 7 de setembro, entre um espetáculo e outro. Conheça um pouco dessa personagem sem papas na língua:

Blog do MIRADA – Como começou seu envolvimento com teatro?
Isabel Ortega - Em 1975 eu ganhei o Prêmio Governador do Estado como atriz revelação. Eu nem sabia que a moça de quem eles falavam era eu (ri), que estava sentada, com os pés para cima, bem hippie. Começaram a falar muito bem de uma atriz transformista que fazia personagem masculino, eu olhei para um cara que estava do meu lado e falei “não vou embora agora não, quero conhecer essa atriz”. De repente, me chamam (ri). Eu fui sem sapato mesmo.

Qual era a peça?
“A Exceção e a Regra”, de (Bertolt) Brecht, com direção de José  Eduardo Vendramini.

E o que aconteceu após o prêmio?
Ganhei uma bolsa para estudar teatro, mas e eu não quis porque fiquei muito assustada. Foi por pura intuição que me tornei atriz. Eu tinha os meus 20 e poucos anos. Primeiro, fui fazer teatro em um salão de igreja em (São José do) Rio Preto. Eu morava lá. Na verdade, usei a bolsa para estudar piano e canto. Eu cheguei a cantar em ópera. Fiz recitais na Espanha e em São Paulo.

Como o Festival está sendo recebido?
O que mais me surpreende no Brasil é a segurança das pessoas. Estou acostumada com o festival de Cádiz, que existe há 25 anos. Nas primeiras edições, não havia esse interesse que há aqui. Ainda havia uma dúvida, uma insegurança em relação ao festival. Aqui, senti o contrário. Todo mundo é seguro. Acho que o brasileiro é muito cara-de-pau (ri), mas não vejo isso como um problema. Acho uma ingenuidade bonita. Uma coisa de criança grande, de “vamos brincar, mas brincar de verdade?”.

O que você tem a dizer sobre a organização?
A organização está disciplinada, firme, e quando os convidados, os artistas e o público dão de cara com essa segurança, todos se interessam profundamente pelo que essa segurança passa. Acho interessante a presença do Danilo (Santos de Miranda, diretor regional do SESC SP). Tem gente que diz, “nossa, o chefe está aqui na atividade, participando com bonezinho” ou “não é o diretor comendo naquele canto?”. Isso cria um ambiente de que somos todos iguais, de que ninguém é mais importante ou menos. Somos importantes.

Isso não costuma acontecer em outros festivais no Exterior?
Normalmente acontece outro tipo de relação. É mais hierárquica. Os organizadores não circulam como os daqui. Eu circulo, não precisa nem me convidar (ri).

Por que um festival de teatro para promover a integração ibero-americana?
Entre os curadores existe um consenso de que temos de plantar as sementes acumuladas ao longo de nossas vidas. O Festival, mais do que esse mercado, essa vitrine para se vender espetáculo, deve promover o intercâmbio e o entendimento entre as culturas. Eu participo também de um evento na Espanha chamado Diálogo de Culturas, que reúne artistas do Ocidente e do Oriente. Faz dois anos, tive a experiência de ver o debate entre um cineasta de Israel e um cara palestino. Tenho muita admiração pelo trabalho do SESC. Desejo que o SESC seja reconhecido internacionalmente e que outros países o copiem para facilitar o diálogo entre as pessoas, viabilizar o entendimento.

Qual o maior empecilho para o Brasil se integrar culturalmente à América Latina?
A diferença de idioma. Falar o idioma do nosso vizinho é o mínimo que podemos fazer.

Isso representou um problema durante o Festival?
Sim, tivemos de encontrar mecanismos para viabilizar o entendimento de ambas as partes. Isso de haver a tradução do português para o espanhol nos debates também tem de se fazer com as obras. Eu tive muita dificuldade de explicar aos convidados que não falam português o que se passava com os espetáculos brasileiros. O tempo inteiro eu fui traduzindo, quando o que eu queria era que eles se apaixonassem junto, no momento em que o texto é falado.

A equipe toda do SESC Santos foi preparada para esse intercâmbio?

Aqui no SESC, nos últimos três meses, falávamos todos os dias um pouco de espanhol. Desde a secretária ao cara que cuida dos carros. Somos os únicos deste continente que não falamos o idioma, por isso não dialogamos com Argentina, Paraguai, Uruguai. Por sinal, eu faço um evento internacional de mulheres escritoras que vai para o quarto ano em São Paulo e Rio Preto. Ano que vem faço também Brasília. Na última edição, eu trouxe 15 escritoras internacionais. Uma escritora do Peru, Gloria Dávila Espinoza, fez uma leitura em Quechua, idioma da sua tribo. Nisso, uma escritora do Paraguai, uma jornalista, fica de pé e fala uma poesia em tupi-guarani, e outra escritora, a escritora brasileira (e ativista indígena) Eliane Potiguara, fala em idioma da tribo dela. Todo mundo chorou, pois todo mundo entendeu o tom, a intenção. Eu me senti envergonhada por ser brasileira e não saber falar tupi-guarani.

Por que não há nenhuma peça do Paraguai?
Ainda temos a obrigação de convidar o Paraguai, exatamente por causa da guerra (1864-1870, da Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Urugai – contra o Paraguai). Tenho amigas que escrevem que são paraguaias. Uma delas falou no SESC Vila Mariana e quando lhe perguntaram como são os homens de lá, ela respondeu que são frágeis, que dão muito trabalho, que são meninos grandes, tanto como maridos quanto como filhos e pais. Como não havia tantos homens após a guerra, as mulheres transavam entre famílias. Os homens de lá ainda são vistos como relíquia e elas têm de se desapegar disso. Acho que a nossa prioridade tem de ser o Paraguai na próxima edição. Se não houver um espetáculo bom, podemos trazer diretores, dramaturgos.



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