Santos iconoclastas
O título deste post é contraditório. Afinal, iconoclasmo tem um sentido totalmente inverso da ideia de santidade: do grego, “eikon” quer dizer imagem, e “klasmos”, ação de quebrar. Mas como a mesa de discussão realizada na manhã desta quarta-feira – em pleno feriado religioso em Santos – foi extremamente iconoclasta, no sentido de dessacralizar “as colunas de sustentação do teatro ocidental” (nas palavras do pensador e realizador teatral Amir Haddad), vamos seguir neste tom provocador.
Mediada pelo diretor teatral Celso Nunes (foto acima), a mesa batizada de Processos de Criação em Teatro no Brasil foi composta por Amir Haddad (diretor do grupo Tá na Rua), Cibele Forjaz (da Companhia Livre e diretora de “O Idiota”), Antônio Araújo (diretor do Teatro da Vertigem) e da pesquisadora Neyde Veneziano – “uma mesa de campeões, pois somos abnegados, chatos, inusitados e gostamos do que fazemos”, defendeu Nunes.
De fato, foi um dos encontros mais provocadores e estimulantes dentro das atividades formativas do MIRADA, pois mais do que revelar processos de criação, os convidados falaram sobre a construção de um novo modo de fazer e viver o teatro no Brasil, a partir da “devoração” dos clássicos (segundo Cibele Forjaz) e também bebendo nas fontes da tradição – entenda-se, aqui, da ancestralidade (na visão de Haddad) – e da realidade e cores locais (conforme Antônio Araújo e seu Teatro da Vertigem).
Haddad (foto acima, ao lado de Cibele Forjaz) foi o último a falar, mas como ele encarnou de forma radical o espírito que motivava a mesa – e por ser o mais idoso (são 73 anos de vida e 53 de teatro) -, aqui ele será o primeiro.
Fundador, ao lado de Zé Celso Martinez, do lendário Oficina, o diretor e autointitulado “pensador” teatral chutou os principais pilares do teatro ocidental europeizado, propondo a realização de “um teatro sem arquitetura; uma dramaturgia sem literatura; e um ator sem papel”.
“O processo civilizatório não civiliza mais, não nos educa mais. Por isso, não há salvação fora do teatro. Só podemos recuperar a nossa identidade por meio do teatro. E isso porque ele vem da ancestralidade, que é eternamente velha e jovem. É a ancestralidade que nos dá passado, presente e futuro”, disse Haddad.
O diretor acredita que o trabalho coletivo e colaborativo está ajudando a libertar o teatro da coluna ideológica que ainda o sustenta e a descobrir novas possibilidades. “O teatro feito hoje não tem arquitetura e se apresenta em qualquer espaço alternativo, até no palco”, brincou Haddad, que terminou sua fala afirmando que o teatro é uma forma sublime de organizar o mundo e os fatos. “É o espetáculo que organiza o mundo, e não o contrário, e isso é um exercício coletivo.”
Diretora da Companhia Livre de Teatro – que está completando 10 anos – e do espetáculo em cartaz no MIRADA “O Idiota – uma Novela Teatral” – da mundana companhia e feito em processo colaborativo com o Vertigem e a Cia São Jorge de Variedades -, Cibele Forjaz diz lhe interessar a “relação entre os tempos justapostos”, como o tempo da ficção dos autores e o tempo presente, tomando, como exemplo, a recriação de um texto clássico como o de Dostoiévski.
“É a reconstrução sobre a cultura do outro. O teatro fala aos contemporâneos partindo da matéria-prima (um texto clássico, por exemplo) mas falando de hoje”, disse Cibele, que revelou haver várias “devorações em camadas” que compõem uma criação coletiva como “O Idiota”, partindo do estudo da obra, posteriormente transformada em um roteiro de 700 páginas para, então, a devoração passar pelo corpo do ator por meio do improviso.
A partir da última versão do roteiro, um dramaturgo é chamado para escrever o texto final. Mas até chegar este momento, a improvisação foi a matéria-prima fundamental para a criação da dramaturgia. “Todas as escritas se conjugam e passamos o roteiro até o último momento, antes de abrir as portas ao público. São processos abertos. Também improvisamos com os espectadores.”
Antônio Araújo destacou que a marca do teatro latino-americano é a criação coletiva e que a marca da nossa época é o processo colaborativo. “O resultado não é mais importante que a trajetória”, disse o diretor do Teatro da Vertigem, grupo que levou à cena espetáculos frutos de uma construção conjunta de investigação e de improvisos até por parte de dramaturgos que acompanham todo o processo de criação. “Hoje, o dramaturgo também tem de saber improvisar.”
A pesquisadora Neyde Veneziano está para lançar, em outubro, o resultado de mais uma pesquisa: o livro “A Atualização do Popular” (Imprensa Oficial), no qual ela visa valorar o teatro popular no Brasil como contraponto ao projeto ideal europeu e como uma resposta dessacralizadora aos colonizadores.
[...] This post was mentioned on Twitter by SESC São Paulo, decor arte. decor arte said: RT @sescsp: Saiba como foi a mesa de discussão sobre os Processos de criação teatral no Brasil, no #FestivalMirada: https://bit.ly/b8FRnk [...]
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