Menu

PONTO DIGITAL MIRADA

Por que uma noite na Zona Portuária de Santos?

Espetáculo do grupo santista está movimentando o Mirada 2016

29019830726_3b87cff427_k

Por Thais Amendola – Sesc SP

Conversamos com o grupo O Coletivo, que nos contou sobre o trabalho de construção e o processo criativo de “Zona!”.

Ponto Digital: Qual a ideia inicial de explorar as relações e o espaço urbano da região do Cais de Santos? Como e quando o grupo iniciou a pesquisa?

Kadu Veríssimo: Cada um de nós veio de um lugar diferente – eu do Guarujá, outro da Praia Grande, São Vicente… Nos encontramos e resolvemos trabalhar juntos. Tivemos como ponto de partida, em 2012, o projeto “Bispo”, nosso primeiro trabalho. Começamos a ensaiar na Vila do Teatro, no Centro, que é um espaço de ocupação.

Junior Brassalotti: Todos os núcleos que operam na Vila do Teatro trabalham com a ressignificação e ocupação dos espaços públicos. E a convivência no entorno nos deu as pessoas que ali vivem, sobretudo moradores de rua. É uma coisa muito forte a presença deles, que hoje já interagem com a gente de maneira muito natural.

Kadu Veríssimo: Assim fomos descobrindo aquela região, que durante o dia é um caos e a noite vira o lugar dos invisíveis. E ensaiando por ali, fomos descobrindo, de forma que definiu o caminho do nosso trabalho: o diálogo com a cidade. Do “Bispo”, isso estendeu-se para o “Zona!”.

Ponto Digital: Como a pesquisa para o trabalho se deu? Houve um processo de imersão na realidade do Cais de Santos?

Junior Brassalotti: Com esta nossa vivência em “Bispo”, reconhecemos o universo das travestis, da prostituição, do cais, dos excluídos em geral – assim como nós, pois também somos marginalizados, a partir da nossa profissão.

Caio Martinez Pacheco: “Zona!” é encenado em duas regiões da cidade que estão morrendo: uma é a Boca do Lixo; outra é a catraia, na Bacia do Mercado – é algo muito peculiar da cidade, um meio de transporte pouco explorado. Então ligamos o Porto e a Cidade na estética do espetáculo.

Ponto Digital: Os personagens do espetáculo são inspirados em figuras deste contexto, presentes não apenas em Santos, mas em diversas – senão todas – as regiões do país. Como foi o contato com essas pessoas? De que forma elas contribuíram na construção do espetáculo?

Junior Brassalotti: Nós tínhamos um medo de sermos agressivos com elas nas abordagens, então tomávamos cuidado. Elas já são tão exploradas e não queríamos também fazer isso. O espetáculo é uma denúncia, não exploramos as imagens e os clichês, já tão retratadas na dramaturgia. Vivenciando tudo isso, descobrimos as histórias das pessoas dali. As meninas – as travestis, as prostitutas – nos deram todas as histórias.

Renata Carvalho: É importante falar sobre também a questão da industrialização do porto, a chegada da AIDS – Santos foi conhecida nacionalmente como a capital nacional da AIDS, mas na verdade é porque ela estava combatendo (a doença), com um projeto do qual eu faço parte – e de todas as pessoas. Não é um universo distante. Cada um de nós tem sua forma, seu personagem, mas o protagonismo é do feminismo. Essa dor é da mulher, é uma história da mulher, pois são elas as verdadeiramente exploradas nestas zonas. Vimos tantas coisas nestas andanças, mas há algo que nos tocou muito, que uma das meninas nos disse: ‘Por que há pessoas que sofrem tanto?’ Então fomos com esse sentido, buscamos igualdade, até porque nós também estamos lá.

Ponto Digital: Como vocês desenvolvem e lidam com a interação com o público em cena?

Kadu Veríssimo: Nós adoramos.

Junior Brassalotti: O ator enquanto jogador tem que se ligar que, às vezes, a bola está com o outro, e jogar com ele.

Kadu Veríssimo: Como nosso processo não parte de um texto decorado, partimos das experiências de cada um e junto do que queremos dizer, então vamos brincando em cima disso.

Junior Brassalotti: Nós temos um universo pra onde voltar. Damos uma brecha para o que tiver que acontecer, mas sempre sabendo o caminho de volta.

Ponto Digital: O público da região assistiu ao espetáculo? Como foi a reação e receptividade?

Junior Brassalotti: Todos os nossos ensaios foram abertos. Os que passavam e tinham interesse, poderiam acompanhar. No nosso último ensaio, havia vários filipinos no bar do lado, que resolveram assistir, junto de todas as meninas. Ou seja, fizemos aquela apresentação para elas. Cantaram, pularam, gritaram, tiraram a roupa e, em muitos momentos, se reconheceram e não se sentiram agredidas, muito pelo contrário. Foi realmente uma troca literal.

Você pode conferir a crítica do espetáculo aqui.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.