PONTO DIGITAL MIRADA

Lado a lado com um psicopata
Uma hora assistindo de perto à história de um estuprador e assassino real
Por Julia Parpulov/Sesc Vila Mariana
Ao entrar na sala do espetáculo, uma mesa central para umas vinte pessoas, com canecas sobre ela, convidavam a uma experiência mais próxima da história de Camargo, como era conhecido Daniel Camargo Barbosa, um serial killer psicopata, nascido na Colômbia, que estuprou e assassinou mais de 150 meninas durante os anos 1970 e 1980. Eu logo sentei fora da mesa, numa das cadeiras da plateia, pois não queria ter essa aproximação, não pelo medo de interação, mas pela história mesmo. Depois pensei melhor, vi as pessoas tomando aqueles lugares “especiais” e resolvi arriscar para viver aquilo de perto.
As luzes eram bem baixas antes de começar e nós nos entreolhávamos na mesa. “Será que vão servir um café, chocolate quente?”, brincou uma moça ao meu lado. Respondi cinicamente que nos dariam sangue para beber, ou pelo menos algum líquido vermelho que o imitasse, pensando no tema da história. Dito e feito. No início da peça uma das personagens serve um líquido que parece chá, mas ao cheirá-lo não o reconheci como tal, então não bebi. Para mim pareceu um cheiro meio ferroso…
Os atores gravitavam ao redor da mesa, te colocando na cena como visitantes na casa da família do protagonista. O péssimo relacionamento dele quando criança com a madrasta, que o castigava vestindo-o e tratando-o como uma menina, te deixava constrangido naquela situação, como ficaria diante de uma briga de família em que não pode se intrometer.
A peça seguiu na fase adulta de Camargo, após um casamento falido, mas já com outra noiva, que ele descobre não ser mais “pura”. É o ponto inicial da trajetória sinistra deste homem, que estuprava e matava mulheres, de 8 a 20 anos, por considerá-las virgens. Com muita força, agressividade, entrega e suor, os atores encenavam as facetas de como o psicopata enganava suas vítimas. No cenário, as fotos de algumas meninas que foram violadas te faziam se colocar no lugar delas, assistindo como tudo aconteceu. Somado a cenas intensas, não havia como escapar das lágrimas, pois sabia-se o tempo todo que aquilo havia acontecido de fato.
Conhecer de perto a história deste homem não justifica o que ele fez, mas a companhia colombiana La Congregación Teatro usou a arte como uma forma de protesto e informação, não deixando essa terrível história cair no esquecimento.
*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.