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Cruzar La Calle – A travessia da sociedade peruana
Texto, fotos e vídeo por Carol Vidal – Sesc Itaquera
O espetáculo “Cruzar la Calle” nasceu do texto do jovem diretor Daniel Amaru Silva, vencedor no primeiro Concurso Nacional Nova Dramaturgia Peruana 2014, com montagem realizada pelo Ministério da Cultura do Peru.
Logo de início, o protagonista Hector Amaru (como o autor) nos insere em sua fala rancorosa, trazendo ao público referências de suas origens incas – carregada por seu sobrenome, renegada pela sociedade peruana. Hector também evoca a figura da águia protetora na língua indígena quéchua. A águia é o elo que irá unir Hector e Elena – filha de Tomáz, que sente prazer em desenhar coisas mortas.
Uma obra polissêmica e não linear
“Cruzar la Calle” explora a polissemia, tanto no texto original como na montagem. O texto de Daniel Amaru foi construído de forma não linear, estimulando múltiplas interpretações. A direção de Carlos Tolentino ressalta o processo da “construção da construção”, como um “quebra-cabeças”, para que se dê a simultaneidade com o que autor escreve. Isso se concretiza com a trama ocorrendo em diferentes espaços (marcados pelo cenário modular) onde o diálogo pode estar ocorrendo ao mesmo tempo, dentro de uma casa, mas que pode também ser outro lugar.
Futebol
As referências ao futebol são muitas, e começam quando o protagonista Héctor Amaru, comenta com a plateia que seu nome é como o jogador e técnico peruano Héctor Chumpitaz, que foi padeiro como seu pai e como ele. Tomáz, o motoqueiro que atropela o cão, fato que faz a trama se desenrolar, (ou se emaranhar), também foi jogador de futebol, mas interrompeu seu sonho por conta de uma lesão (que faz doer até hoje).
Desintegração da família, machismo e racismo
Segundo o diretor, a peça traz histórias de mulheres que rompem com os estereótipos da mulher latino-americana e histórias de homens ausentes (ausência física ou de espírito).
Evidencia o machismo e o racismo presentes na cultura peruana, que convive com a ilusão da felicidade do matrimônio, construída e reafirmada por décadas e gerações.
Um novo momento para o teatro peruano
Cruzar la Calle (atravessar a rua, em português) é a decisão de atravessar algo, mas essa decisão implica riscos“ – resume o diretor. Héctor quer saber quem atropelou o cachorro e por que, e acaba se envolvendo em algo maior, uma tragédia, em que a filha mata seu próprio pai.
O espetáculo é um retrato da decadência dos valores católicos tradicionais da sociedade peruana, que neste momento vive em uma democracia, mas que é permeada por uma ilusão a respeito do bem-estar social.
Confira no vídeo trechos da entrevista com o diretor Carlos Tolentino:
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