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PONTO DIGITAL MIRADA

Antunes Filho, o rei do teatro

O papel do performer e do idioma 'fonemol' em Blanche

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por Renan Abreu – Sesc Consolação

Falar de teatro no Brasil e não mencionar Antunes Filho é um grave delito. O paulistano do Bexiga destacou-se em meio à primeira geração dos encenadores modernos no Brasil na década de 50 junto à fundação do Teatro Brasileiro de Comédia e conseguiu sistematizar uma série de recursos técnicos para os atores, que ensaiam  exaustivamente, e diariamente, no Centro de Pesquisa Teatral do Sesc Consolação, existente deste 1982.

Para quem acha que o idioma é uma barreira no teatro, Antunes vai por um caminho completamente diferente e joga para o público a tarefa de decifrar os diálogos que ocorrem no espetáculo. Blanche é falado em fonemol, uma língua imaginária criada e desenvolvida pelo diretor, que não tem relação com nenhuma conhecida e que incentiva cada espectador a imaginar e criar a própria dramaturgia. “As coisas nunca estão inteiras ali, elas estão sempre para ser completadas”, define Marcos Andrade, que interpreta Blanche Dubois na trama do famoso dramaturgo americano Tennessee Williams.

“O fonemol vira quase uma linguagem do inconsciente. Quando você está falando palavras que não entende, mas entende o sentido da frase que está dizendo, existem barreiras entre você e o sentido literal da frase, e a ideia é tirar isso”, completa o ator.

Um homem interpretando uma mulher

Outra característica marcante desta montagem é o fato da personagem feminina Blanche ser interpretada por um ator. Marcos Andrade foi escolhido por Antunes para ser a protagonista enquanto estava trabalhando na peça Nossa Cidade. Aí, mais uma vez, o diretor coloca a performance e a técnica acima de padrões, gerando polêmicas. Uma mulher fazendo uma personagem feminina, em todas as questões internas e psicologias, já está bem identificada com esse texto. Quando Antunes pensa num homem fazendo isso, ele coloca o ator como performer, que é este agente de crise, que vai fazer uma crítica ao que já está preestabelecido”, defende Emerson Danesi, ator e diretor parceiro de Antunes.

Na trama, o convívio de Blanche DuBois sob o mesmo teto de Stella e Stanley reabre feridas e impõe alteridades desesperadoras no plano da dignidade humana, da qual o machismo arraigado é apenas uma face. Ao fim, há uma cena de estupro cometido por Stanley.

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Para Antunes, o teatro é uma faixa cultural muito importante num mundo cada vez mais globalizado, refém do consumismo desenfreado e da intolerância. Neste sentido, o ator é um elemento essencial na construção do espetáculo que também tem que cumprir um papel transformador.

“Eu não estou discutindo os Estados Unidos de Tennessee Williams. Eu estou falando de Blanche. Aí eu recorro a Dostoiévski em ‘A dor humana’. A piedade, o perdão, a compaixão. São coisas que hoje em dia não se fala muito, né? Quantas mulheres são mortas por dia? Quantos homossexuais são mortos? É contra essa ação errada do ser humano que eu luto sempre. Os perseguidos, os maltratados pela sociedade. São por eles que me interesso”, conclui o diretor.

Esta é a segunda passagem de Antunes pelo Mirada. Em 2010, ele esteve no lançamento do livro “Hierofania – O Teatro Segundo Antunes Filho” do crítico Sebastião Milaré e apresentou a peça “Policarpo Quaresma”, adaptada do livro de Lima Barreto. Avesso a holofotes, nesta edição apresenta Blanche, mas não dá as caras no festival.

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