Mais do que uma mostra de espetáculos, um encontro antropológico. MIRADA espelha dois continentes para mais de 100 mil pessoas

O que é um festival ibero-americano de artes cênicas? Definitivamente, não é apenas uma mostra de espetáculos, mas um encontro antropológico, que coloca sob o mesmo solo países de dois continentes com pendências históricas para resolver.
Apesar disso, o que se viu, ouviu e sentiu nos teatros, praças, ruas e fortes da cidade durante o MIRADA não foram brados retumbantes demarcando territórios, mas o diálogo e o espelhamento do outro. Vimos o quanto somos parecidos – nas mazelas e alegrias – e o quanto temos para trocar.
Durante 10 dias – entre 05 e 15 de setembro – o SESC proporcionou este encontro histórico sob o guarda-chuva (e sol) do teatro. E sob essa proteção, reinventamos realidades, eliminamos fronteiras, falamos português, espanhol, portunhol, espanglês e nos entendemos.
Treze países da América Latina e Europa estiveram unidos neste solo simbólico que é Santos – principal porto da América Latina. Trinta e oito obras teatrais ocuparam a cidade a preços acessíveis (alguns, com entrada gratuita). Shows de artistas consagrados e novos, debates, pré-estreias e lançamentos de livro, filme e música – como o do CD “Sons das Américas”, do Núcleo Hespérides (vídeo abaixo) – também marcaram a programação.
A curiosidade e interesse do público em acessar as obras teatrais em português e espanhol – e até línguas indígenas – foi surpreendente: mais de 100 mil pessoas compareceram às apresentações, com direito às chamadas “filas da esperança” – pessoas que aguardavam lugar nos teatros.
O recorte curatorial deste segundo MIRADA reafirmou o papel sociológico do teatro, ao aprofundar temas que as escolas, os governos e até a imprensa não abordam com tanta verticalidade: migração, racismo, conflitos bélicos e íntimos, feridas históricas ainda abertas.
Dois espetáculos refletiram isso muito bem: “Sin Título, Tecnica Mixta”, do peruano Yuyachkani; e “Cinzas”, do paraguaio Hara Teatro, que abordaram, respectivamente, as guerras do Chile contra o Peru e a Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai.
O diretor Wal Mayans e sua companhia paraguaia nos proporcionaram uma experiência ainda inédita: pela primeira vez nos sentimos como é estar do lado do algoz, do lado imperialista – e vimos como as feridas ainda ardem. Veja trecho da apresentação no Festival:
Os colombianos da Cia La Maldita Vanidad trouxeram sua trilogia “Sobre Algunos Asuntos de Familia”: “Autores Materiales”, “O Autor Intelectual” (veja os vídeos abaixo) e “Como Quer que te Queira”, que são bons exemplos de como o tema “conflito de gerações” tem sido uma preocupação constante dos criadores cênicos contemporâneos – que estão se voltando para os conflitos de geração e ao microcosmo familiar como um espelhamento, também, da sociedade – seja através de uma dramaturgia inédita, seja por meio da adaptação de clássicos (como em “Hamlet de los Andes”, “Chaika” e “Romeu e Julieta”, vídeos abaixo) ou textos estrangeiros (“Pais e Filhos”, da Mundana – veja vídeo mais abaixo).
O Autor Intelectual (La Maldita Vanidad – Colômbia)
Os Autores Materiais (La Maldita Vanidad – Colômbia)
Hamlet, de los Andes (Teatro de Los Andes – Bolívia)
Chaika (Cia Complot – Uruguai)
Romeu e Julienta (Galpão – Belo Horizonte)
Pais e Filhos (Mundana Cia – São Paulo)
A produção brasileira também tem se ocupado desse tema: das nove produções apresentadas, quatro tiveram a família como ponto de partida e chegada: “Retábulo” (Cia Piollin), “Pais e Filhos” (Mundana), “Isso te Interessa?” (Cia Brasileira) e “Histórias de Família” (Cia Amok).
As reflexões que um festival ibero-americano de artes cênicas gera são inesgotáveis e dariam uma tese, por isso, vamos parar por aqui e deixarmos para você, espectador ativo e atento, que nos acompanhou nesta jornada, fazer também o seu balanço. Que o MIRADA deste ano tenha proporcionado bons encontros para você, e desejamos reencontrá-lo em 2014.
Para terminar, a entrevista concedida pelo diretor Emerson Danesi, integrante do CPT/Macuaíma, de Antunes Filho, sobre a sua experiência no MIRADA:
Lamartine Babo (CPT/Macunaíma – São Paulo)