Algumas palavras desde o Paraguai. Entrevista com o diretor Wal Mayans, diretor de “Cinzas”

Wal Mayan_foto Carlota Cafiero

O MIRADA acabou, mas ainda está reverberando na cidade de Santos e nas mentes de criadores, pesquisadores, espectadores. Aqui no blog não é diferente. Na tarde de sábado, o diretor paraguaio Wal Mayans protagonizou uma cena que deverá ficar um bom tempo como exemplo de generosidade e entrega: na segunda noite da apresentação de “Cinzas”, espetáculo que trata dos reflexos da Guerra da Tríplice Aliança – quando o Brasil, a Argentina e o Uruguai declararam guerra ao Paraguai, há cerca de 100 anos.

Ele pediu para falar aos jovens e manifestou o desejo de que a banda que toca rock ao vivo durante o espetáculo “Cinzas” tocasse para eles. Foram reunidos, então, os 10 jovens que participam do projeto do SESC Santos com o Instituto Querô – que oferece oficinas de audiovisual – para o encontro com Mayans. O encontro de gerações resultou em um debate sobre identidade, liberdade, mudanças sociais.

“Cinzas” estreou há quatro anos e e tem trazido um tema que está esquecido também no Paraguai, que é o da Grande Guerra, que praticamente dizimou a população masculina do país. Radical, anarquista, Mayans acredita na mudança social através do teatro.

Há 17 anos, dirige a Organização Não-Governamental Terra Sem Mal, em Assunção, onde ministra oficinas, monta e apresenta os espetáculos com a Cia Hara Teatro – até agora, são quatro em repertório, que abordam – sem fazer concessão ao mercado – temas históricos. Leiam trechos da conversa do blog com Mayans, logo abaixo:

Blog do MIRADA – Para quem você faz teatro?

Wal Mayans - Faço principalmente para mim. O teatro é o meu espaço na sociedade. O espaço que tenho, o Terra Sem Mal, é um ponto de proteção. É como uma microssociedade dentro de uma sociedade grande, em Assunção. Vivemos em um espaço que se chama de Zona Roja (Zona Vermelha), perto do porto, com edifícios muito antigos, que eram armazéns e foram se transformando em outras coisas. Há muita prostituição e bêbados pela noite, mas não há violência, porque todos se conhecem. Os moradores do local são pessoas que, quando jovens, tinham trabalho naquela área e decidiram ficar por lá.

Essas pessoas conhecem o seu teatro?

Não diretamente, mas estão durante o dia ao redor. Sabem o que passa, veem. Para eles, somos como vizinhos. Eles não tem em sua mente a ideia do que é teatro, não conhecem teatro. Nos conhecem como gente que faz música, que pensa diferente, mas nos respeitam muito. Sempre nos ajudam. Lá, eu sou conhecido como doutor e professor, porque uso óculos.

O ambiente influencia seu teatro?

De alguma forma sim, porque dependo muito deles para conseguir o que preciso, porque economicamente não é possível manter o espaço que tenho há 17 anos. Eles vendem pequenas coisas usadas e roubadas. Instrumentos, rádios, geladeiras, tudo misturado. Quando preciso de algum instrumento, eles me doam. Eles não têm problema em me doar. Assim eu vou enriquecendo o meu teatro. E sigo mantendo meu orgulho. Nesse lugar aparecem instrumentos muito especiais, que não se pode comprar, coisas assim como uma harpa antiga da China. Esta gente sempre me apoiou. Por exemplo, agora, estamos em uma situação difícil, nos cortaram a água. Eles se organizam e chamam o responsável por telefone, e como a maioria das pessoas influentes tem dívidas com essa gente, eles conseguem reverter a situação. Eles têm um certo poder. Não são criminosos, mas trabalham com um comércio rápido, não pagam impostos, são pequenos comerciantes.

Quem faz suas oficinas?

Faço oficinas somente duas vezes ao ano, janeiro e fevereiro, quando preciso de dinheiro. Eu não faço oficinas para gente rica, somente para meninos e jovens do povo ou da rua. Chegamos a trabalhar com a Secretaria das Crianças, durante vários anos, e desenvolvemos um projeto, porque eu acredito fortemente que por meio do teatro você pode mudar a vida das pessoas mais necessitadas, desenvolvendo suas capacidades.

Com quais temas você trabalha com as crianças?

Iniciamos com os temas teatrais, como jogos, e aí vamos vendo como reagem. Deixamos que eles se organizem, decidam como querem levar suas vidas e a forma de aprendizagem. A gente trabalha para melhorar seu cotidiano. São meninos muito violentos, são das ruas, não têm vida longa. Esse era um dos projetos mais interessantes para mim, porque eu aprendia muito, mas faz um ano que terminou a parceria com a Secretaria porque não temos o título de assistente social.

Você não tem nenhuma ajuda do governo?

Não há política cultural. Em todo o Paraguai é assim. Somente se trabalha por projeto, para uma obra. Então, se pode fazer a montagem de uma obra. Mas todo o processo de poder alugar um lugar para trabalhar, as horas de ensaio, preparação, isso não há como garantir. Então, não se vive um projeto de aprendizado. O único curso superior de teatro está no Instituto Superior de Bellas Artes, onde sou professor de licenciatura, em Assumpcion. Este é o únido lugar onde se estuda teatro.

Como é a cena teatral no Paraguai?

Não tenho muita relação com ela. Há grupos individuais, independentes, pequenos, mas que trabalham somente por projetos. Não há um espaço para o teatro de investigação. As novas gerações preferem se dedicar a algo mais imediatista, ligado ao cinema, à televisão.

Quais são as origens do seu teatro?

Eu comecei estudando e trabalhando com teatro pedagógico no interior, ensinando às crianças como lavar a mão, como se alimentar direito, até que ganhei uma bolsa para estudar com Eugenio Barba (mestre italiano), na Europa. Eu tinha 23 anos e fiquei em Volterra, no Conservatório San Pietro, onde se organizou um encontro internacional.

Como você viajou para a Europa?

Peguei carona até São Paulo. Vivi um mês pelas ruas de São Paulo, buscando oportunidade para ir à Europa e vim a Santos para pegar um barco, mas não consegui. Depois de um mês tentando, minha mãe me encontrou e me mandou uma passagem somente de ida. Ela pediu para eu regressar, mas eu disse que eu preferia morrer a voltar, porque queria estudar.

Por quanto tempo viveu na Europa?

Fiquei quase 20 anos na Europa.

Passou por dificuldades?

Sim, porque eu sou muito orgulhoso, nunca deixo que ninguém me pise em cima. Eu sou muito difícil de comprar. Se não gosto de algo, por mais que me paguem, não vou fazer. Não me integro em uma sociedade que me tire a liberdade de pensamento. Tenho orgulho de não perder minha liberdade. Briguei muito. Trabalhei muito com dança, criei um sistema de dança depois de estudar muito com mestres orientais, da Índia, Bali. Estive em Taiwan, China, Xangai, conheço toda a Europa. Estudei muitos dialetos para falar com as pessoas.

Você trouxe ao Brasil o espetáculo “Cinzas”, que fala de uma guerra que ninguém mais se lembra.

No Paraguai também não se fala mais da Grande Guerra. É apenas uma lembrança. Se passaram 100 anos. Deveriam devolver os nossos documentos, as nossas terras. Os documentos foram distribuídos por vários lugares do Brasil. O Paraguai foi massacrado e saqueado.

 

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5 – 15 de setembro de 2012

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