“Não desejo pensar o teatro latino-americano como uma sequela de influências europeias”, diz Ileana Diéguez ao Blog do MIRADA

Há muitas décadas, Ileana Diéguez tem observado, investigado, debatido e documentado – porém, nunca catalogado, pois rejeita sistemas esquematizantes – o desenvolvimento do teatro na América Latina, como uma ciência: especialmente nos campos da teatralidade, performance e artes.
Esse interesse vem desde Cuba, seu país natal, onde se formou em teatralogia e dramaturgia pelo Instituto Superior de Arte de Havana, em 1983. Mais tarde, radicada no México, continuou se aprofundando nos estudos: ela concluiu mestrado em literatura comparada em 2000 e doutorado em letras em 2006, com pós-doc em história da arte pela Universidade Autônoma Nacional do México (UNAM).
Membro do Sistema Nacional de Investigadores e membro-fundadora da Cátedra Itinerante de Teatro Latino-Americano, Ileana (foto abaixo) tem aceitado inúmeros convites para participar de congressos e simpósios em vários países da América Latina, especialmente no Brasil, para onde retorna a convite do MIRADA.
No dia 13 de setembro (quinta-feira), às 11h, ela vai integrar o debate “O teatro e a apropriação de outras linguagens”, ao lado de três realizadores internacionais: Wal Mayans (do Hara Teatro, Paraguai), Miguel Rubio Zapata (do Yuyachkani, Peru) e de Laura Pizarro (do Teatro Cine, Chile). O encontro vai ser na Arena SESC e tem entrada franca (por ordem de chegada). Leia, abaixo, entrevista com a pesquisadora, especialmente para o Blog do MIRADA:
Blog do MIRADA – México é o país homenageado por esta edição do MIRADA, com sete espetáculos na programação. O que o teatro do México tem a oferecer à cena teatral contemporânea?
Ileana Diéguez – Acredito que a cena de cada país poderia dar conta das problemáticas que interessam a esses espaços onde vivem e trabalham os artistas, problemáticas que sem dúvida começam pelas perguntas, inquietudes, angústias e desejos dessas pessoas que são os artistas. Como espectadora ou como investigadora, me perguntaria como a cena mexicana fala do seu tempo, quando digo como fala, implica não somente os problemas tratados, mas sim como os aborda, desde quais estratégias estéticas criam o evento cênico. Podemos ter pontos de vista muito diversos a respeito das possibilidades da arte em relação ao diálogo com as alegrias e dores, as obsessões e os medos do tempo que vivemos. Shakespeare dizia, por exemplo, que os atores são cronistas de seu tempo. Como poderá perceber, minhas respostas são também perguntas, os investigadores não são profetas de nada e não desejo dar uma opinião que esteja no lugar da própria presença que ali terá a cena mexicana.
A investigação de linguagens é uma prerrogativa do teatro independente na América Latina, neste novo século?
Considero que este tem sido um problema que o teatro latino-americano independente decidiu enfrentar, vale a pena fazer um esclarecimento, desde os tempos em que Barletta criou El Teatro del Pueblo, na Argentina, passando pelos aportes da criação coletiva a partir, especialmente, da Colômbia, pelo chamado teatro colaborativo no Brasil, até as teatralidades expandidas que vemos hoje. A investigação de linguagem tem a ver com as perguntas dos criadores sobre como falar, habitar e dar vida a situações que não sejam ilustração da realidade imediata, mas também tenham a ver com a busca ou o reconhecimento de outro tipo de espectador, como o faz La Candelaria desde os anos 70. A realidade também desafia a criação, e há que se estar com o olhar atento para não perder a possibilidade do real também nos transformar – e não somente como se tem dito tantas vezes, que a arte que transforma o real. O modo do Yuyachkani (grupo peruano) assumiu esse desafio foi decisivo no desenvolvimento estético e a complexidade cênica que este grupo tem nos mostrado. Como falar de tempos tão difíceis produzindo cenas que dimensionem a complexidade daquilo que ainda se vive parece inexplicável, e que no âmbito das imagens cênicas constitui potentes alegorias que nos permitem entender o vivido e o sofrido? Estou pensando em tudo o que condensa um espetáculo como “Sin Título, Tecnica Mixta” (foto que abre este post, a montagem será apresentada nos dias 14 e 15 de setembro, às 20h, no Galpão Coliseu).
Na busca constante de romper com os cânones teatrais, os criadores não correm o risco de criar novos padrões comuns, em que a investigação de linguagens venha a tornar-se, também, um modelo de criação artística?
Sem dúvida que isto é possível. É o que vem acontecendo em toda a história da arte, se rompem poéticas, se moem formas estéticas que depois terminam por impor-se como “modos de fazer”. Acaso não foi isso que aconteceu com as vanguardas? Mas, de qualquer forma, por mais que seja inevitável porque é parte do ciclo da vida, vale a pena e é necessário que existam esses pontos de quebra na história das artes, ainda quando essas novas poéticas terminem por impor uma maneira de fazer e finalmente, coisa mais difícil, por impor um gosto. Mas realmente segue tendo certa excepcionalidade e segue produzindo certo incômodo. Basta voltar a ler (Antonin) Artaud para reconhecer que ele segue sendo um requerente utópico e que aquele que tanto buscava transformar é o que segue predominante. A “cena teológica” goza de muita saúde.
Quais seriam as fontes de inspiração do teatro contemporâneo latino-americano?
Não desejo responder algo que, sem dúvida, seria esquematizante. As fontes tem sido muitas e não se pode homogeneizar. Alguém diria que uma dessas fontes foi Brecht, e, sem dúvida, foi uma delas, mas não desejo pensar o teatro latino-americano como uma sequela de influências europeias ou de paradigmas, venham de onde vierem. Se algo tem me interessado faz várias décadas é reconhecer que, de maneira geral – ainda que não seja algo que possa aplicar-se a todos os países – a cena que se faz neste continente tem o pulso da vida, que seus criadores não são heróis que recitam textos grandiloquentes, e sim, seres humanos frágeis e capazes de por em cena suas próprias dores e medos, seus próprios egos, inclusive. Se algo se destaca da cena latino-americana, pelo menos a que eu conheço e por qual tem sentido pensá-la, está em diálogo com seu tempo e que por ela podemos entender quem somos e como temos vivido.
Em sua opinião, quais são os grupos latino-americanos que conseguem romper com os dispositivos tradicionais de representação de maneira criativa e potente?
Felizmente, a “lista” pode ser muito extensa. Não desejo fazer um catálogo de “vanguardistas” e “tradicionais”.
Um teatro de investigação necessita, também, de um público disposto a quebrar as formas tradicionais de arte, de olhar os artistas como pessoas, não como mitos. Para isto, se faz necessário formar o público para o teatro experimental. Como preparar os espectadores para esse teatro sem fronteiras?
Essa é uma “tarefa” que, desde os anos 70, com a criação coletiva, vieram realizando os grupos e os espaços. Penso que essa tarefa é fundamental é trabalho dos grupos e os espaços que vão formando certos públicos que os buscam. Por exemplo, quando Yuyachkani decide iniciar uma nova modalidade de “espetáculos” com as desmontagens realizadas por seus atores, o grupo teve a cumplicidade de um público interessado nesse tipo de criação pedagógica. Sobre isto fala Miguel Rubio em “Notas sobre teatro”.
Há algum limite de linguagem para o teatro contemporâneo experimental?
O limite humano, que implica muitos limites.
Tabatha D. Pridgen
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