“A delícia é falar a um público que precisa muito de teatro”, diz o diretor cubano Carlos Celdrán, em vídeo, sobre o público em Cuba

Carlos Celdran

O grupo é cubano e a peça, de um autor cubano, mas poderia ser brasileiro, mexicano, venezuelano ou de qualquer outro país latino. O Grupo Argos Teatro, fundado há 15 anos na ilha caribenha, trouxe ao Brasil sua elogiada montagem de um dos textos mais importantes da dramaturgia cubana: “Aire Frío” (Ar Frio), do autor Virgílio Piñera (1912-1979) - uma espécie de “Nelson Rodrigues” de lá, pela forma ácida com que aborda as relações familiares.

A peça, apresentada nos dias 06 e 07 de setembro (quinta e sexta-feira), no Teatro Guarany, em Santos, fez a plateia rir de nervoso diante da conflituosa relação entre os membros da família Romaguera - uma típica família cubana. Toda a trama se passa na sala de estar de uma casa simples, provavelmente um sobrado – de onde se pode escutar o burburinho das ruas de Havana.

O calor é apenas um agravante a mais no dia a dia doméstico dessa família às vésperas da revolução socialista de 1959. Mas as personagens, apesar de sofrerem com os reflexos da crise política e econômica, pouco refletem sobre isso, e seguem buscando soluções concretas e outras ”mágicas” para suas dificuldades materiais.

Assista a entrevista exclusiva com o diretor cubano Carlos Celdrán, ao Blog do MIRADA. Mais abaixo, trechos traduzidos do depoimento.

Blog do MIRADA – Quais são as delícias e as dores de se fazer teatro em Cuba?

Carlos Celdrán – A delícia é falar para um público que precisa muito de teatro, o recebe com muita atenção e o encara como espaço de reflexão aos problemas. Trabalhar para um público tão intenso é uma satisfação muito grande para quem faz teatro. Também se conta, em Cuba, com muito tempo para poder investigar e fazer o teatro que se gosta, sem pressão comercial. O difícil é a situação econômica, que sempre está golpeando a produção. Não temos todos os recursos que gostaríamos para fazer o teatro que queremos e temos de estar todo o tempo inventando, buscando soluções. É muito dura a realidade do teatro em Cuba, se ganha pouco e o estilo de vida tende a ser baixo, e isso implica em um grande sacrifício, mas ao final, há muito prazer em se sacrificar pelo que se gosta de fazer, pelo seu sonho.

Como é a cena teatral cubana?

Há muitos grupos em Cuba. Há cenas muito distintas, teatro para jovens e crianças, teatro dramático, mas nem todos com qualidade. Estamos vivendo outra crise, com muito êxodo, sobretudo de talento, para fora de Cuba. Há uma crise econômica grande, e isso faz com que a qualidade caia.

Em relação a este espetáculo, o que o texto tem dizer à sociedade cubana hoje?

Virgilio Piñera é um grande autor cubano, já morto, que escreveu uma série de obras que marcou muito a dramaturgia cubana. E levou o cubano à cena, na forma de falar, de se comportar. Ele faz uma reflexão sobre a “cubanidade”, sobre o ser cubano. E esta obra em particular, “Aire Frío”, é uma grande obra. Creio que a obra mais importante da cena cubana, e se tem montado muito. O tema é uma família cubana e os problemas materiais que têm que enfrentar para sobreviver às crises econômicas permanentes que a golpeiam. Esse é um problema eterno em Cuba, e ainda atual. O interessante é que a obra é dos anos 60 e fala dos anos 50 e 40, antes da Revolução, e hoje, os problemas continuam iguais. Para nós, a obra sempre nos revela como somos.

Fala também a outros países latino-americanos?

Há uma universalidade nessa peça, a história de uma família, os problemas de se viver em família. A obra se comunica através do humor e do drama, e possibilita a observação dos seus problemas e dos problemas dos outros.

Tem viajado com “Aire Frío”?

A peça estreou em janeiro e ficou cinco meses em temporada em Havana, com muito sucesso. E foi apresentada em São Domingo e em Miami, onde apresentamos a outros cubanos que estavam lá e foi muito bonito, pois a peça é como um espaço de cura de todas as feridas políticas e sociais de muitos anos. E agora estamos aqui no MIRADA, que é um espaço muito importante para se encontrar criadores, programadores e organizadores de festivais e um grande público.

 

 

  1. Vivian

    Algo más que Carlos no dijo: La puesta se presentó además en la Temporada de Teatro Latinoamericano y Caribeno Mayo Teatral, que organiza la Casa de las Américas, en La Habana, y tuvo una breve temporada en la República Dominicana, siempre con gran acogida por parte de los espectadores y de la crítica.

    setembro 10th, 2012 // Reply
  2. Norberto Moraes Júnior

    Este é o segundo MIRADA que tenho o prazer em assistir. Assisti a peça “AR FRIO” no teatro Guarany, dia 06 de setembro.
    Posso dizer-lhes sem sombra de dúvida que é um dos melhores espetáculos do MIRADA, cheio de realidades da vida cotididana de uma família cubana, com a qual todos se identificam. Os atores atuam de forma primorosa e nos levam junto com eles através dos dramas e alegrias inerentes de uma vida familiar, das dificuldades financeiras e da esperança que temos na vida…valeu muito apena !!! Abraços mil !!!

    setembro 10th, 2012 // Reply
  3. Roberto Peres

    AR FRIO – Foi uma oportunidade rara ver um espetáculo de Cuba e ao mesmo tempo uma supreendente visão ao perceber que, ainda que isolados econômica e culturalmente, se produz ali um teatro vivo, que não tem receio de escancarar a própria realidade. Um cenário cru, com mobiliário paupérrimo, forma a casa da família Romaguera, na qual se tem de lutar a cada dia por cada peso. Estamos às vésperas da revolução socialista, entre os anos 40 e 58. Mas isso só está explicito na divulgação da peça, porque no texto de Virgilio Piñera (cujo centenário de nascimento é comemorado em 2012) não há datas, apenas pequenas citações do mundo exterior.
    O que se vê é aquele cotidiano onde a filha costura pra fora para sustentar a casa, serve de anteparo para os conflitos dos demais membros, o calor abrasador, a falta de dinheiro para comprar o ventilador. O pai que sonha com o grande negócio que nunca vem, o filho mais velho que vive confortavelmente mas evita mostrar isso na casa paterna, o poeta sonhador, o migrado para os Estados Unidos. Há muita diferença para a Havana de hoje? Não parece.
    E os tipos surgem criados por um elenco afiado, que se mantém na linha brechtniana, mais propondo as personagens do que as realizando com verismo e naturalismo.
    Evidentemente, todos os conflitos vão desembocar na morte materna, mas o autor não tem intenções de solucionar nada, nem indicar coisa alguma. Ar Frio é um recorte no dia a dia, ainda que entre muitos anos.

    Roberto Peres – Diretor da EAC Escola de Artes Cenicas da Secretaria de Cultura

    setembro 12th, 2012 // Reply

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5 – 15 de setembro de 2012

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