“Isto não é uma peça, é um acontecimento”. É assim que António Fonseca, criador e intérprete de Falação d’Os Lusíadas define o espetáculo. O português, que chega ao Mirada em um trabalho solo e extenso – o “acontecimento” se estende durante 3 dias – em que fala a obra icônica de Luís de Camões, gosta de usar palavras diferentes para limiar a sua arte. Em alguns momentos, inventa.

Foi assim com “falação”, que à sombra de Camões, ele inventou na falta de melhor explicação sintática. A definição, ao contrário do seu país de origem, foi muito bem aceita no Brasil, assim como a sua apresentação, como ele mesmo diz. Em entrevista, Fonseca falou sobre a criação e concepção do seu trabalho que, garante, possui caráter leve e descontraído.

Utilizando um texto que está muito presente no imaginário português, ele chega ao Brasil pela primeira vez no Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, e não poderia ter escolhido melhor a sua casa: o Salão Camoniano do Centro Cultural Português.

Para entendermos melhor: o que é uma “falação”?
Chama “falação” porque é uma maneira de dizer exatamente o que eu faço. [Nesta peça] eu falo o que está escrito no texto de Camões. Não gosto das palavras recitar, ou declamar. “Falação” é exatamente o que eu faço. Vocês [brasileiros] aqui aceitam muito bem essa palavra – em Portugal, não. Eu não consigo que as pessoas entendam ela por lá. A palavra não existe em português de Portugal, e não me deixaram inventar. Camões inventou muitas, mas eu não pude inventar uma.

E qual é o contexto em que a sua arte se insere no Mirada?
É uma arte cênica. Um recital de poesia, portanto arte cênica. Não é o teatro puro e duro, mesmo que eu faça alguns personagens, mas de fato não é um espetáculo de teatro, digamos assim. Embora eu tenha todos os ingredientes para isso – luz, produção, etc.

Como foi a concepção da ideia da falação e a escolha do texto?
Isso foi e vai acontecendo. Conforme o lugar onde estou atuando, ele vai acontecendo de forma diferente. Tenho sempre 3 ou 4 coisas semelhantes – fazer a comunicação, falar o texto… – mas nem sempre é igual. A concepção de fato aconteceu há seis anos, e depois de quatro anos de trabalho é que apresentei pela primeira vez. A escolha aconteceu porque eu acho Os Lusíadas uma obra genial da língua portuguesa, em Portugal é um obra com a qual as pessoas tem uma memória, direta ou indireta, porque fala sobre um momento histórico do país que todos sabem e conhecem. E na minha opinião a obra nunca foi explorada desta forma, de usar o texto para mexer com a cabeça e a memória das pessoas.

Pensar em três horas de espetáculo pode parecer denso e pesado. Como é a recepção do público?
Ele não é denso. Eu faço quase uma stand up comedy. Faço piadas, explico, esse é o meu estilo como ator. Aqui no Brasil a reação das pessoas tem sido fantástica, o que me surpreende porque imagino que o meu sotaque seja muito diferente, e o texto é difícil, possui uma construção frásica muito elaborada, mas as pessoas aderem muito à sua musicalidade. É difícil de ler, mas fácil de entender. É como uma sinfonia: é muito difícil de ler a partitura, mas não é difícil de entender.

E o que você achou da escolha da casa onde o Falação foi acolhido?
Achei genial. Fantástico! O lugar onde acontece a falação se chama Salão Camoniano, e os tetos estão cheios de pinturas que reproduzem versos d’Os Lusíadas. Eu acho que o espírito vai descer nesse lugar. Isso é de grande valia, já que eu normalmente me apresento em um teatro normal. Mas fazer aqui, com esta envolvência visual e histórica… Não há outro lugar tão impressionante. É um lugar fantástico para mandarmos as palavras de Camões para o teto.

Texto & Imagem: Coletivo Pão & Circo

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