País

Portugal

Sinopse

Convencido de ser a obra máxima de Camões fácil de ouvir, ainda que difícil de ler e entender, António Fonseca propôs a si mesmo o desafio de decorar o poema e apresentar seus dez cantos em um único dia. É preciso levar a sério a palavra dia, já que geralmente o ator entra de manhã no teatro e sai apenas ao final da noite. A ousadia traduz a dimensão da importância da obra que se tornou matriz da língua portuguesa. Os Lusíadas representam o apogeu de Portugal, de sua história e cultura. Montar o poema completo serve como meio de reforçar a identidade individual e coletiva portuguesa. A proposta redimensiona a ideia de encontro com o poético, sustenta no gigantismo da experiência a superação dos processos controlados, para oferecer ao espectador um mergulho em águas mais profundas. A experiência é realmente única.

Ficha técnica

Concepção e interpretação: António Fonseca assistido por Jorge Louraço
Interpretação Canto X: Coro de Santos
Direção Técnica e Desenho de Luz: José Álvaro Correia
Espaço Cênico: Marta Carreiras
Ambientes Sonoros: Fernando Mota
Vídeo Canto X:Micael Espinha
Operação de Luz, Som e Vídeo: José Álvaro Correia
Produção no Brasil: Stella Marini
Direção de Produção: Patrícia André e Sofia Marques
Cooprodução:O Teatrão
Produção: Sul-Associação Cultural e Artística

Resenha

Falar tem se revelado fundamental ao contemporâneo. Fala-se sobre tudo, qualquer coisa. Fala-se, pois a palavra reassume a qualidade de interface de encontro com o outro. Não há mais tanta novidade nessa constatação numa época em que gerações se comunicam por mensagens enviadas escritas por novos aparelhos e recursos. Há certa urgência na tentativa de comunicar-se. É preciso dizer, informar, tornar presente e especial o indivíduo agora centralizado na ação fundamental do instante. Falar, voz e texto, expõe a palavra outra vez como mecanismo de revoluções. Então todos falam. Mas escutam? A disponibilidade de ouvir torna as relações paradoxais e complexas. Não se quer a aproximação com o outro, busca-se sua presença como uma espécie de devoção. Por conseguinte, cada um é a solidão de sua própria afirmação. O teatro, em certo sentido, sempre foi contrário a isso, pela maneira como coloca o espectador no convívio com o outro. Mas é preciso mais. Produzir sobre a solidão segura nas poltronas da plateia a experiência estética e poética do ouvir. E não resolve apenas dizer algo a esse alguém. É preciso radicalizar o instante. Ultrapassar o óbvio e fazer da palavra o voo mais profundo no próprio intimo. Conquistado isso, encontrar-se-á a poesia.

António Fonseca vai próximo ao impossível. Traz aos palcos os dez cantos de Os Lusíadas. A poesia funde a escritura de uma obra-prima e da afirmação de uma língua, um idioma, uma cultura. O poema completo, o acúmulo de imagens, as sobreposições de sensações tornam o ouvir a recuperação de sua função; conduz o ouvinte ao estado de poesia em presença e liberdade imaginativa. E não é sempre que temos a oportunidade de respirar mais lentamente e deixar a poesia revisitar a alma.

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Falação d'Os Lusíadas (Foto: João Peixoto)