zona – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 Do lado de fora dos teatros https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/do-lado-de-fora-dos-teatros/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/do-lado-de-fora-dos-teatros/#respond Sun, 18 Sep 2016 16:24:02 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2762    Por Cris Komesu/Sesc SP

Na fila da embarcação para ver Viúvas, no porto, ouço a senhora: “Nossa, moço, estava esperando na fila errada. Você viu esse monte de gente aí do lado? Parece que é pro teatro!” – diz enquanto pula para dentro de um dos barcos que atravessam o canal, levando os moradores da ilha.

viuvas-cris-komesu

A bordo de uma das catraias de Zona!, a atriz se contorce na performance e manda beijos para os passantes curiosos no barco ao lado. Todas as cabeças se viram, tentando entender os gestos espalhafatosos e o som alto – em pleno dia da semana! De cima das pontes, chegam assobios de aprovação.

2016-09-11-zona-ft-matheus-jose-maria-14

Na saída da oficina que serviu como um dos abrigos em Fugit, dois senhores que conversavam param para observar o grupo de pessoas que de repente brota entre os pneus e maquinários. Um dos atores que conduz a peça os olha e resolve apertar a mão de cada um, como em agradecimento. Para a aumentar a surpresa dos dois, o grupo todo repete a ação. Em um gesto, tornaram-se cúmplices da fuga.

2016-09-16-fugit-ft-matheus-jose-maria-17-bx

Dona Arlete passava de bicicleta pelo calçadão quando avistou os objetos espalhados pelo chão, pouco antes de Andante começar, em frente à Fonte do Sapo. Resolveu voltar, instigada, para entender o que estava acontecendo. Em pé, em cima de um banco, tenta enxergar as cenas da cia. Markrliñe. Eu também estou ali, sobre o banco, fotografando o espetáculo. “Você sabe quem eles são?” – me pergunta. Conto que são uma companhia vinda da Espanha, e que a peça faz parte de um festival. Dou a ela o caderno de programação que tinha na bolsa: “Ainda dá tempo de ver outros espetáculos, viu?”

andante-cris-komesu

É o Mirada se embrenhando pelas ruas, pelos canais, pelas praças. Por um momento, a trabalhadora que voltava para casa, o estudante que atravessava o canal, a senhora que passeava pela orla – todos se tornaram personagens ativos dessa empreitada. É a forma como o festival toca até os mais desavisados e mostra que, do lado de fora dos teatros, também é possível participar da festa.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/do-lado-de-fora-dos-teatros/feed/ 0
Histórias cruzadas, barreiras invisíveis https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/historias-cruzadas-barreiras-invisiveis/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/historias-cruzadas-barreiras-invisiveis/#respond Sat, 17 Sep 2016 15:32:27 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2418 Por André Venancio, Sesc SP

zonaInício do espetáculo Zona!, dos paulistas d’O Coletivo

CENA 1. Quando a catraia sai da zona portuária de Santos e, rumo a alto mar, atravessa o canal 6 para dar início ao espetáculo Zona!, de todas as personagens que ocupam a pequena embarcação, um chama a atenção de quem observa: um rapaz magro, de uns trinta e cinco anos talvez, mantém os olhos atentos em direção ao bêbado, que esbraveja ao horizonte seu ódio a um certo Gringo. Apesar da armação grossa dos óculos que emolduram seu olhar, as expressões faciais da personagem conduzem e interferem no jogo cênico executado pelos outros atores. Ela não tem texto, nem nome. Em uma situação de conflito, no entanto, um dos atores cai bruscamente sobre ele, arrancando seus óculos que se divide em duas lupas ao chão. “Foi mal, alemão”, debocha o bêbado.

 

psicoCena de Psico/Embutidos, da Compañia Titular de Teatro de la Universidad Veracruzana

CENA 2. Na área de convivência do Sesc Santos, uma estrutura formada por cubos de ferros empilhados atrai os olhares. No centro, uma espécie de tobogã, ao soar de um alarme, conduz as personagens um a um entre os cubos. Lá no alto, uma das atrizes conversa com o rapaz que, outrora, teve os óculos pisoteados na zona. “Você se sente à vontade para mostrar o seu corpo?” Em resposta, ele tira a camisa. Começa o espetáculo Psico/Embutidos.

 

fugitCena do espetáculo Fugit, dos espanhóis da Cia Kamchàtka

CENA 3. Ainda sem os óculos, o rapaz corre em direção ao bonde. Assustado, parece fugir de alguém prestes a alcançá-lo. O bonde avança e, após algum minutos, freia bruscamente frente a uma construção abandonada, cuja fachada está encoberta por madeiras. No alto, o jovem vê com alívio a presença de um rosto amigo, que acena. Ele entra por uma fresta na madeira e abraça o companheiro. Juntos, eles e mais cerca de 20 pessoas iniciam a fuga proposta no espetáculo Fugit.

—-

O rapaz sem os óculos talvez seja o único ponto em comum destes três espetáculos. Mas como é possível que montagens vindas de países diferentes, escritas por dramaturgos que nem se conhecem, compartilhem a mesma personagem no Mirada? Como foi possível construir este fio narrativo, interligando essas histórias? A resposta está no público.

Esse rapaz sou eu, você ou qualquer um. Poderia ser uma moça, uma travesti, um idoso, uma criança. Personagens-público que, sem texto, reagem de acordo com a vontade, com o repertório, com o desejo. Pode só observar, rejeitar, beijar, beber, chorar ou não sentir nada. Enquanto o público imerso interage na cena, alguém observa e, em outro momento, os papéis se invertem. No teatro imersivo, a barreira ator/espectador é quebrada e não existe plateia que não seja, também, elemento da ação e da cena. É só mergulhar.

 

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/historias-cruzadas-barreiras-invisiveis/feed/ 0
Por que uma noite na Zona Portuária de Santos? https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/por-que-uma-noite-na-zona-portuaria-de-santos/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/por-que-uma-noite-na-zona-portuaria-de-santos/#comments Wed, 14 Sep 2016 21:03:19 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2206 29019830726_3b87cff427_k

Por Thais Amendola – Sesc SP

Conversamos com o grupo O Coletivo, que nos contou sobre o trabalho de construção e o processo criativo de “Zona!”.

Ponto Digital: Qual a ideia inicial de explorar as relações e o espaço urbano da região do Cais de Santos? Como e quando o grupo iniciou a pesquisa?

Kadu Veríssimo: Cada um de nós veio de um lugar diferente – eu do Guarujá, outro da Praia Grande, São Vicente… Nos encontramos e resolvemos trabalhar juntos. Tivemos como ponto de partida, em 2012, o projeto “Bispo”, nosso primeiro trabalho. Começamos a ensaiar na Vila do Teatro, no Centro, que é um espaço de ocupação.

Junior Brassalotti: Todos os núcleos que operam na Vila do Teatro trabalham com a ressignificação e ocupação dos espaços públicos. E a convivência no entorno nos deu as pessoas que ali vivem, sobretudo moradores de rua. É uma coisa muito forte a presença deles, que hoje já interagem com a gente de maneira muito natural.

Kadu Veríssimo: Assim fomos descobrindo aquela região, que durante o dia é um caos e a noite vira o lugar dos invisíveis. E ensaiando por ali, fomos descobrindo, de forma que definiu o caminho do nosso trabalho: o diálogo com a cidade. Do “Bispo”, isso estendeu-se para o “Zona!”.

Ponto Digital: Como a pesquisa para o trabalho se deu? Houve um processo de imersão na realidade do Cais de Santos?

Junior Brassalotti: Com esta nossa vivência em “Bispo”, reconhecemos o universo das travestis, da prostituição, do cais, dos excluídos em geral – assim como nós, pois também somos marginalizados, a partir da nossa profissão.

Caio Martinez Pacheco: “Zona!” é encenado em duas regiões da cidade que estão morrendo: uma é a Boca do Lixo; outra é a catraia, na Bacia do Mercado – é algo muito peculiar da cidade, um meio de transporte pouco explorado. Então ligamos o Porto e a Cidade na estética do espetáculo.

Ponto Digital: Os personagens do espetáculo são inspirados em figuras deste contexto, presentes não apenas em Santos, mas em diversas – senão todas – as regiões do país. Como foi o contato com essas pessoas? De que forma elas contribuíram na construção do espetáculo?

Junior Brassalotti: Nós tínhamos um medo de sermos agressivos com elas nas abordagens, então tomávamos cuidado. Elas já são tão exploradas e não queríamos também fazer isso. O espetáculo é uma denúncia, não exploramos as imagens e os clichês, já tão retratadas na dramaturgia. Vivenciando tudo isso, descobrimos as histórias das pessoas dali. As meninas – as travestis, as prostitutas – nos deram todas as histórias.

Renata Carvalho: É importante falar sobre também a questão da industrialização do porto, a chegada da AIDS – Santos foi conhecida nacionalmente como a capital nacional da AIDS, mas na verdade é porque ela estava combatendo (a doença), com um projeto do qual eu faço parte – e de todas as pessoas. Não é um universo distante. Cada um de nós tem sua forma, seu personagem, mas o protagonismo é do feminismo. Essa dor é da mulher, é uma história da mulher, pois são elas as verdadeiramente exploradas nestas zonas. Vimos tantas coisas nestas andanças, mas há algo que nos tocou muito, que uma das meninas nos disse: ‘Por que há pessoas que sofrem tanto?’ Então fomos com esse sentido, buscamos igualdade, até porque nós também estamos lá.

Ponto Digital: Como vocês desenvolvem e lidam com a interação com o público em cena?

Kadu Veríssimo: Nós adoramos.

Junior Brassalotti: O ator enquanto jogador tem que se ligar que, às vezes, a bola está com o outro, e jogar com ele.

Kadu Veríssimo: Como nosso processo não parte de um texto decorado, partimos das experiências de cada um e junto do que queremos dizer, então vamos brincando em cima disso.

Junior Brassalotti: Nós temos um universo pra onde voltar. Damos uma brecha para o que tiver que acontecer, mas sempre sabendo o caminho de volta.

Ponto Digital: O público da região assistiu ao espetáculo? Como foi a reação e receptividade?

Junior Brassalotti: Todos os nossos ensaios foram abertos. Os que passavam e tinham interesse, poderiam acompanhar. No nosso último ensaio, havia vários filipinos no bar do lado, que resolveram assistir, junto de todas as meninas. Ou seja, fizemos aquela apresentação para elas. Cantaram, pularam, gritaram, tiraram a roupa e, em muitos momentos, se reconheceram e não se sentiram agredidas, muito pelo contrário. Foi realmente uma troca literal.

Você pode conferir a crítica do espetáculo aqui.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/por-que-uma-noite-na-zona-portuaria-de-santos/feed/ 1
[Crítica] Paixão pelo real https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/paixao-pelo-real/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/paixao-pelo-real/#comments Tue, 13 Sep 2016 14:43:09 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1907 28976435591_544605ff1c_k

por Ivana Moura, blog Satisfeita, Yolanda?

Os índices que nenhuma gestão quer expor sobre sua cidade são revelados por uma personagem do espetáculo Zona (do grupo santista O Coletivo formado em 2012, na Vila do Teatro), na parada da Catraia do Paquetá (Bacia do Mercado). Suicídios, violências, homicídios na cidade de Santos. Os números não soam assustadores; não por si, mas pelo quadro de brutalidade maciçamente divulgado em toda parte do mundo. As pessoas/ os espectadores não parecerem prestar muita atenção a esses detalhes. Já sabemos, aquilo tudo é teatro. Mais importante garantir o lugar no barco para o passeio noturno pelas entranhas do porto de Santos. E vamos nós. Três embarcações correm, passam próximas dos grandes cargueiros.  Os barcos deslizam pelas águas mostrando a beleza soturna, com marcas de decadência e resquícios do que já o apogeu daquele lugar.

Enquanto as barcaças se cruzam, os dois atores do nosso trajeto desenvolvem sua dramaturgia. Malvina Costa, com o vestido branco e sujo rivaliza com o outro o protagonismo da cena. E entram num acordo e demonstram carícias íntimas. Chamam atenção dos seguranças de um grande navio que gravam a cena do alto, enquanto os interpretes expõem seios e bundas rebolantes para o desfrute de longe. Exacerbam sua sobre-exposição ao olhar.

Acaba o passeio de barco e começa uma caminhada de cerca de 10 minutos, rumo a bar do porto, onde o espetáculo será apresentado. Seguimos feito fantasmas pelo bairro do Paquetá, que já foi uma área de luxo. Alguns personagens nos guiam. Passamos por uma garota que toca acordeom.

Essas paisagens decadentes se erguem como personagem. O cheio forte de combustível de navio, urina e outros excrementos, vidas que afrontam do subterrâneo em suas identidades periféricas, mas icônicas em roupagens carcomidas, tecem a narrativa. Desmascara parte da realidade. Ostenta beleza da marginalidade.  

Sobrevivemos às baratas cascudas que atravessam nosso caminho. Chegamos e o show começa. Em diálogo com os cabarés do alemão Bertolt Brecht, na rua João Otávio no Paquetá. O presidente do Sesc, Danilo Miranda aparece por lá é acomodado num lugar central do estabelecimento, mas não será poupado das provocações.

No artigo Realismo afetivo: evocar realismo além da representação. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, (2012) Karl Erik Schøllhammer expõe que da perspectiva de Alain Badiou a “paixão pelo real se expressava durante o século XX na necessidade de criar distanciamento reflexivo e efeitos de estranhamento no experimentalismo artístico como no teatro de Brecht”.

Ao revelar os mecanismos de sua potência ficcional, a peça evidencia a brecha entre o real e sua representação.

A encenação Zona agencia experiências performáticas e afetivas, borrando ou anulando limites entre artista e espectador. Entre espasmos, seus personagens herdeiros de Plinio Marcos – cafetões, prostitutas, homossexuais, trans, desempregados, assassinos, loucos, artistas abandonados à própria sorte – gritam que esse capitalismo está esgotado.

O mundo está intolerável. No bar/boate o consumo de drogas imaginárias, álcool para alguns, danças e números em que as estrelas se revezam, se revelam, desnorteia o público, envolve a plateia numa hiper-conectividade. Puro teatro é uma das músicas cantadas, reforçada pelo coro dos presentes.

Renata Carvalho, Thays Villar Santos-Bratz, Priscila Ribeiro, Raquel Rollo cantam ou dançam lindamente, com intensidade, na radicalidade possível; Léo Bacarini distribui caipirinha como se fosse porra, exige carinho e fica revoltado com qualquer negativa. São muitos artistas que se alternam nos papeis de figuras da noite: Junior Brassalotti, Caio Martinez Pacheco, Mario Acenjo, Rebecca Alba, Wendell Medeiros, Rafael Ruano, Fernando Henrique de Gois, o diretor Kadu Veríssimo.

Os desejos explodem, taras e busca por prazer sem limite. E os números se multiplicam. Quem está fora de certo padrão consumista pode virar estrela. A relação de poder entre eles projeta decadência humana, círculo vicioso de tortura mútua, superexploração do trabalho, diálogos crus, ferinos, explosões de ódio e violência, humilhações, provocações sadomasoquistas. 

Tensão. Eles intercambiam papéis de poder, pequenos poderes. Seres truculentos, ternos, líricos projetados pelo desejo. Não há maiores amarrações dramatúrgicas. É um estado de impermanência contínua a desconstruir e construir outras realidades cênicas. Eles estão lá naquela boate. Se agridem, se beijam, dançam, cantam lindamente, convocam o público a sair da posição de assistente. Em algum momento ocorre um crime. Em algum momento tudo termina numa noite que parecia não ter fim.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/paixao-pelo-real/feed/ 2