Teatro – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [WebDoc] Trilogia Boliviana – Kiknteatr https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-trilogia-boliviana-kiknteatr/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-trilogia-boliviana-kiknteatr/#respond Fri, 18 Nov 2016 18:34:21 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=3040

“Decidimos fazer uma reflexão consciente do que é a Bolívia, ainda que isso seja impossível, porque não se pode falar da Bolívia, há muitas facetas, muitas Bolívias, muitas arestas e fragmentos que constituem a Bolívia, então decidimos fazer uma peça que não seja só uma, que sejam várias, e que reflitam sobre e reflitam aquilo que nós olhamos, sentimos e com o que estamos nos relacionando na Bolívia. Desta forma chegamos a fazer realmente uma trilogia.”

Com direção de Diego Aramburo, a Trilogia Boliviana, do Kiknteatr, esteve no #Mirada2016. Projeto especial composto de três peças apresentadas no mesmo dia, que ambiciona transmitir uma percepção crua, contemporânea e menos romântica da Bolívia, país onde cerca de 70% da população é de origem indígena.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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[Webdoc] No Daré Hijos, Daré Versos – Marianella Morena https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-no-dare-hijos-dare-versos-marianella-morena/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-no-dare-hijos-dare-versos-marianella-morena/#respond Tue, 01 Nov 2016 14:41:07 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=3034

Delmira Agustini era uma poetisa uruguaia que morreu assassinada a tiros pelo ex-marido em 1914. Foi a primeira mulher poetisa que escreveu literatura erótica na América Latina.

E foi também a primeira mulher que se divorciou no Uruguai.

De acordo com o escritor Eduardo Galeano, Delmira “tinha sido condenada pelos que castigam nas mulheres o que nos homens aplaudem, porque a castidade é dever feminino, e o desejo, como a razão, um privilégio masculino.”

Com direção de Marianella Morena, “No Daré Hijos, Daré Versos (Não darei filhos, darei versos)” esteve no #Mirada2016 intercalando prosa e canções a partir da vida e da obra de Delmira.

 

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[Webdoc] Cuando Todos Pensaban que Habíamos Desaparecido – Vaca 35 Teatro en Grupo https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-cuando-todos-pensaban-que-habiamos-desaparecido-vaca-35-teatro-en-grupo/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-cuando-todos-pensaban-que-habiamos-desaparecido-vaca-35-teatro-en-grupo/#respond Fri, 07 Oct 2016 21:15:17 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2979

“Acredito que é o reencontro, o momento de abrir a boca e dizer o que não se pôde dizer a tempo.”

Em “Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido”, apresentado no MIRADA 2016, os mexicanos do Vaca 35 Teatro en Grupo trouxeram ao Brasil um teatro documental baseado na comida e na festa dos mortos. Ao contrário do tabu ocidental, na cultura mexicana o Dia de Finados é celebrado com as casas enfeitadas e os familiares e amigos preparando os pratos favoritos daqueles que não se encontram mais fisicamente entre eles.

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[Crítica] Resistência em tempos de guerra https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-resistencia-em-tempos-de-guerra/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-resistencia-em-tempos-de-guerra/#respond Wed, 05 Oct 2016 20:33:37 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2972 andante

Por Pollyanna Diniz, do Satisfeita, Yolanda?

O espetáculo Andante, da Markeliñe, companhia fundada em 1987 em Bilbao, provoca o espectador principalmente a partir da construção de imagens. Trabalhando com teatro de rua e objetos, os criadores propõem instalações cênicas, instigando o público a construir junto ao grupo a dramaturgia da peça, a partir das pistas que vão se desprendendo da cenografia. Como o espetáculo não é falado, torna-se ainda mais evidente a estruturação da montagem, de modo a estabelecer trocas semânticas com quem acompanha a trajetória do espetáculo.

Em Santos, o ponto de partida de Andante foi a Fonte do Sapo, na orla da cidade. Ao se depararem com os objetos – pares de sapato velhos, malas, telhas quebradas, um cenário de guerra (e assim começam as tentativas de estabelecer significados) -, e a identificação do festival, as pessoas logo se colocaram em roda aguardando o início da apresentação. Aquele, no entanto, não seria o único local da performance do Markeliñe, já que uma das características do trabalho é a tentativa de estabelecer uma espécie de cortejo, uma migração: atores e espectadores caminhando lado a lado até a próxima parada, onde uma nova cena se instaura e logo depois se dissipa.

Além da cenografia e da proposição de um trajeto, Andante encontra na música executada ao vivo por um dos performers uma das possibilidades de ampliar a potência da sua dramaturgia e da própria encenação. Se há apenas sugestões do que seriam essas cenas, das histórias trazidas a partir delas e, de fato, o espectador será o responsável por ir juntando as peças como um quebra-cabeças, mas sem encaixes únicos ou perfeitamente ajustados, a música é um elemento disparador importante. Principalmente no que diz respeito ao estímulo da sensibilidade, levando os espectadores a compartilharem juntos de um mesmo diapasão proporcionado pelos acordes, que podem ser tristes ou, por exemplo, mudar estados, instaurando diferentes momentos de cena.

Na primeira estação, o principal elemento cenográfico da montagem, o sapato, pode reportar narrativas diversas. No material do espetáculo, lemos que a maré talvez tenha devolvido aqueles calçados velhos, que já pertenceram a pessoas cujas histórias precisariam ser contadas. Os três personagens (um homem e duas mulheres) são interpretados por três atores usando máscaras, que chegam à primeira parada puxando uma carroça de madeira. Na cena, as máscaras dos atores deixam a mensagem ora de tristeza, ora de desamparo, mas também e talvez principalmente de inocência. Nesse primeiro ponto de encontro, o mais velho do grupo recolhe os sapatos, embora uma explosão sempre possa mudar o rumo das coisas. E então seguimos o trajeto.

Na segunda estação, uma delimitação de tempo e espaço circunscreve o espetáculo numa realidade mais palpável. Numa placa, lê-se: Santiago, Chile, 1973. Esse foi o ano do golpe de estado no Chile, que derrubou Salvador Allende e instaurou o regime ditatorial de Pinochet. Nesse cenário, um casamento é celebrado, utilizando-se dois pares de sapatos. De que forma a nossa vida cotidiana se vê afetada pela violência, pela guerra, pelos regimes de exceção que se estabelecem de tempos em tempos?

Na terceira estação, há uma reprodução de áudios sugerindo os discursos de ditadores, de generais; os sapatos estão carregam muita areia e a imagem da morte se faz mais presente. A morte de Franco é anunciada e, mesmo diante do quadro de devastação, uma flor pode permanecer viva, assim como a magia das mágicas bobas apresentadas pelos personagens. Na quarta parada, as palmas surgem da manipulação dos sapatos pelos espectadores.

Em Andante, a ocupação do espaço público resgata memórias e estabelece a vivência compartilhada de uma realidade simbólica, dialogando sobre tempos passados, mas também sobre o presente. Os objetos de cena trazem cargas que produzem novos campos, efeitos, ecos. Sejam eles de disputa de poder, de guerra, mas ainda e porque não, de construção de afetos em meio ao caos. Mesmo que a dramaturgia exiba em seu cerne a fragilidade de ser construída somente a partir de sugestões, principalmente de imagens, essa proposta do grupo talvez deva ser lida como resistência. De acreditar na sensibilidade e na organização de um pensamento que pode até não ser formal ou enquadrado em lógicas, mas respeita as subjetividades e possibilidades do espectador.

 

* Pollyanna Diniz é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), há cinco anos edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda?, do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015) e a Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

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[Crítica] A saga de medo e superação de Alfonsito https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/a-saga-de-medo-e-superacao-de-alfonsito/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/a-saga-de-medo-e-superacao-de-alfonsito/#respond Mon, 19 Sep 2016 12:57:40 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2922 barrio-ok-materia

Por Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda?

Escrutinar o personagem Alfonsito, do monólogo Barrio Caleidoscopio, do Teatro de La Vuelta (criado no Equador, mas sediado na França), significa olhar os nossos próprios medos e desafios com uma lente de aumento. Talvez enxergar os exageros e superlativos que nos colocamos cotidianamente ao observamos esse outro, um ser metódico e paranoico, construído com maestria por Carlos Gallegos. Também dramaturgo, diretor e pedagogo, o espetáculo tem como principal destaque a atuação do equatoriano, que interpreta o personagem desde 2010. Entre as principais ferramentas utilizadas está o trabalho do clown. Do palhaço que ri e chora de si mesmo, que se faz esperto e idiota, e transforma cada gesto em possibilidade de descoberta, troca e interação com o espectador.

A dramaturgia, também assinada por Gallegos, é baseada numa situação de banalidade: Alfonsito decide sair de casa para ir até a esquina, comprar um pão ou, quem sabe, dois. Mesmo podendo ser considerada frágil, porque sem argumento ou apelo, a história vai sendo ampliada pelo trabalho do ator diante do texto. Alfonsito se prepara para sair de casa, enfrenta os seus medos, encontra algumas pessoas pela rua e até se revela apaixonado. Por fim, consegue superar os obstáculos; ainda que saibamos que o ciclo recomeçará na manhã seguinte, talvez com desafios ainda maiores a serem transpostos. A história não está localizada em nenhum contexto específico. A impressão é de que Alfonsito pode ser um personagem de qualquer época, uma alegoria atemporal que trata do homem e dos seus medos.

Contando essa história em terceira pessoa, um dos méritos do trabalho do ator é estimular a imaginação da plateia, conseguindo levar os espectadores a construírem as suas próprias imagens a partir da dramaturgia. Acompanhamos Alfonsito como num filme, mesmo que não haja elementos de cena. Estamos com ele enquanto escova os dentes, enfrenta a porta gigante, os perigos e os encontros na rua. Isso tudo sem que haja um cenário de elementos, mesmo os mais simples, que poderiam servir de trunfo ao palhaço. Ao contrário, Gallegos conta quase que exclusivamente com o próprio corpo. Em cena, somente o essencial e o mínimo de movimentação. O ator está praticamente a peça inteira sentado numa cadeira. A iluminação complementa a dramaturgia e o trabalho do ator, compondo espaços e significados.

O espectador acompanha e surpreende-se rindo ou se emocionando com a trajetória desse personagem e dos outros tantos interpretados também por Gallegos em Barrio Caleidoscopio. A relação estabelecida com o público se dá de maneira muito rápida e efetiva. De fato, o trabalho do ator e, mais especificamente, do palhaço, só se completa no outro, também responsável por manter esse vínculo.

A peça demonstra que experimentação artística pode ser levada a cabo utilizando-se qualquer linguagem. Para quem acompanhou a programação do Mirada de forma mais ampla, talvez tenha sido a chance de rir um pouco, de conferir-se uma pausa nos temas mais duros de tantas montagens, dando um intervalo nas propostas estéticas baseadas na radicalidade e nos mergulhos verticais. Nesse sentido, Barrio Caleidoscopio foi um sopro de leveza, mostrando que a superação e o riso precisam ser cotidianos.  

*Pollyanna Diniz é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), há cinco anos edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda?, do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015) e a Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.`

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[Crítica] O Som das Cores https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/o-som-das-cores/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/o-som-das-cores/#respond Sun, 18 Sep 2016 22:13:43 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2906 isabelle-neri-2

por Maria Eugênia de Menezes
Teatrojornal – Leituras de Cena

Nem tudo é o que parece. Nem todas as perdas são para o mal. No espetáculo “O Som das Cores”, uma criação da companhia mineira Catibrum de Teatro de Bonecos, tudo está um pouco fora de lugar. E há lições a serem aprendidas em meio a essa desarrumação. Na obra infantil de 2013, com direção e dramaturgia assinadas por Lelo Silva, conhecemos a história de Lúcia, uma menina de 15 anos que, de repente, se descobre cega.

Para fazer dessa deficiência adquirida um mote para uma obra fantasiosa, a trama não será exposta diretamente, mas relatada por meio de metáforas. Lúcia, por exemplo, não se diz cega – crê ter perdido seus olhos. Seu cachorro de estimação, Tobias, os teria levado. Tudo parte de uma brincadeira. E pretexto para que ela se entregue a uma jornada mágica pela metrópole, atravessando túneis de metrô e passagens urbanas desconhecidas.

No teatro de animação, imagens descoladas da realidade podem ser criadas. A partir da manipulação de bonecos e objetos, Lúcia entra em contato com monstros e dragões, pode conversar com portas, passarinhos e com um anão de jardim, é capaz de voar valendo-se apenas do poder da imaginação. Em verdade, essa é a mensagem que conduz o espetáculo: a ideia de que não existem limitações para uma mente suficientemente livre.

É minucioso o trabalho dos manipuladores de bonecos. Conseguem não apenas movê-los, mas emprestar-lhes vida e ânimo. Cada uma das figuras é dotada de detalhes e efeitos que ajudam na caracterização dos personagens. Os cabelos de Lúcia, seus óculos, seus gestos expressivos. Há apuro ainda nos outros recursos utilizados: uma iluminação que serve à aura de sonho e fantasia ambicionada, uma cenografia bem acabada, uma bela trilha sonora original, composta pelo grupo Graveola e o Lixo Polifônico. No Mirada, porém, percebe-se que parcela considerável desse detalhamento se perdeu. Inadequados pareciam tanto a dimensão do palco quanto o tamanho da plateia para qual a peça foi apresentada, no Teatro do Sesc Santos. As cenas ocorrem em um espaço pequenino, delimitado por uma parede de vidro, o que cria impressão de estarmos diante de uma espécie de caixa de brinquedos. Uma caixa que ia perdendo encanto à medida que o espectador se distanciava da ribalta.

Para construir a trama, o dramaturgo se valeu de duas obras como referência: o livro homônimo do escritor taiwanês Jimmy Liao e o poema “O Cego”, do alemão Rainer Maria Rilke. “Só sensações de tato, como sondas, captam o mundo em diminutas ondas”, dizem os versos em tradução de Augusto de Campos. As fontes literárias marcam a trajetória do grupo, criado em 1991. Nos títulos que compõem o seu repertório, há espaço para autores como Guimarães Rosa, fonte de inspiração para o espetáculos “Lágrima” e “Trem da Memória”, e Miguel de Cervantes, referência direta para “Triste Figura”.

Apesar de apoiar-se em obras consistentes, “O Som das Cores” tem na dramaturgia sua mais evidente fragilidade. A pretensão de construir um enredo poético esbarra na inconsistência do texto. Mensagens simplistas não levam em consideração à complexidade dos temas tratados. Com elipses mal realizadas, passagens inteiras parecem desvinculadas do restante da trama, sem que alcancem o efeito pretendido. Cenas como a que Lúcia voa dentro de um guarda-chuva carregam a aparência de certa gratuidade. Não emocionam. Nada acrescentam à história que está sendo contada. Querem apenas sublinhar, sem efeito, um lirismo que inexiste.

*Maria Eugênia de Menezes é jornalista e crítica teatral, atuou como repórter e crítica de teatro do Caderno 2, do jornal O Estado de S.Paulo, com experiência na cobertura de festivais no Brasil e no exterior. Também escreveu na Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas como o Circuito Cultural Paulista e membro do júri de prêmios como Prêmio Bravo! de Cultura, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Prêmio Governador do Estado de S.Paulo.

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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Lado a lado com um psicopata https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/lado-a-lado-com-um-psicopata/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/lado-a-lado-com-um-psicopata/#respond Sun, 18 Sep 2016 19:05:20 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2841 Por Julia Parpulov/Sesc Vila Mariana

Ao entrar na sala do espetáculo, uma mesa central para umas vinte pessoas, com canecas sobre ela, convidavam a uma experiência mais próxima da história de Camargo, como era conhecido Daniel Camargo Barbosa, um serial killer psicopata, nascido na Colômbia, que estuprou e assassinou mais de 150 meninas durante os anos 1970 e 1980. Eu logo sentei fora da mesa, numa das cadeiras da plateia, pois não queria ter essa aproximação, não pelo medo de interação, mas pela história mesmo. Depois pensei melhor, vi as pessoas tomando aqueles lugares “especiais” e resolvi arriscar para viver aquilo de perto.

cmargo

As luzes eram bem baixas antes de começar e nós nos entreolhávamos na mesa. “Será que vão servir um café, chocolate quente?”, brincou uma moça ao meu lado. Respondi cinicamente que nos dariam sangue para beber, ou pelo menos algum líquido vermelho que o imitasse, pensando no tema da história. Dito e feito. No início da peça uma das personagens serve um líquido que parece chá, mas ao cheirá-lo não o reconheci como tal, então não bebi. Para mim pareceu um cheiro meio ferroso…

Os atores gravitavam ao redor da mesa, te colocando na cena como visitantes na casa da família do protagonista. O péssimo relacionamento dele quando criança com a madrasta, que o castigava vestindo-o e tratando-o como uma menina, te deixava constrangido naquela situação, como ficaria diante de uma briga de família em que não pode se intrometer.

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A peça seguiu na fase adulta de Camargo, após um casamento falido, mas já com outra noiva, que ele descobre não ser mais “pura”. É o ponto inicial da trajetória sinistra deste homem, que estuprava e matava mulheres, de 8 a 20 anos, por considerá-las virgens. Com muita força, agressividade, entrega e suor, os atores encenavam as facetas de como o psicopata enganava suas vítimas. No cenário, as fotos de algumas meninas que foram violadas te faziam se colocar no lugar delas, assistindo como tudo aconteceu. Somado a cenas intensas, não havia como escapar das lágrimas, pois sabia-se o tempo todo que aquilo havia acontecido de fato.

camargo-segunda

Conhecer de perto a história deste homem não justifica o que ele fez, mas a companhia colombiana La Congregación Teatro usou a arte como uma forma de protesto e informação, não deixando essa terrível história cair no esquecimento.

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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[Crítica] Lutar contra a morte é lutar contra o esquecimento https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/lutar-contra-a-morte-e-lutar-contra-o-esquecimento/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/lutar-contra-a-morte-e-lutar-contra-o-esquecimento/#respond Sun, 18 Sep 2016 18:41:28 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2875 viuvas_foto-matheus-jose-maria-6bx

Por Maria Eugênia de Menezes 
Teatrojornal – Leitura de Cena

Para conceber “Viúvas – Performance sobre a Ausência”, o grupo gaúcho “Oi Nóis Aqui Traveiz” apoiou-se em uma obra literária: o livro “Viudas” – lançando originalmente por Ariel Dorfman, em 1981. Mas a tentativa de compreender o que está em jogo permite ir além dos limites estritos do romance que lhe deu origem, convocando referências externas, sejam elas literárias ou históricas. A mitologia grega, as ditaduras militares que marcaram a América Latina, o narrador de Walter Benjamin, os relatos femininos dos horrores da guerra escritos por autoras como Herta Müller ou Svetlana Alexijevich. Muitas são as possibilidades de se aproximar do objeto polifônico que constitui “Viúvas”. Uma narrativa que abre portas para diálogos sobre o passado e sobre o presente. Sobre problemas que seguem sem solução, mas também sobre novas perguntas que não cessam de surgir.

Uma fábula condensa os conflitos a serem tratados. Em uma ilha, Sophia está sentada sobre uma pedra e observa as águas – parece estar de guarda, como se na expectativa por alguém que vai chegar. Enquanto espera, é surpreendida por um magnata e seus capangas, estrangeiros que vieram para se apropriar do povoado. Todos os homens, que ali antes viviam, desapareceram. Por se insurgirem contra algum tipo de nova ordem – que não chega a ser esmiuçada ao longo da peça – foram mortos e tiveram seus corpos subtraídos. Sophia é uma anciã que perdeu o pai, o marido, os filhos. Assim como ela, todas as outras mulheres que ali habitam sofreram perdas semelhantes. E o que impera, em meio a tantas ausências sem explicação, é o silêncio.

Interpretada pela atriz Tânia Farias, Sophia conduz essa história. É protagonista por ser aquela que tem a coragem de dizer. Questiona o estabelecido, clama pelo direito de prantear seus mortos e dar-lhes sepultura. Quer saber o que aconteceu, quer conhecer a verdade, quer contar o que passou. Não se conforma com o que está dado. Não aceita simplesmente esquecer. Consideram-na, por isso, louca. Se o louco hoje é o alienado, aquele que perdeu a conexão com a realidade, vale lembrar que não foi sempre essa a visão majoritária sobre a loucura. O iluminismo, a idade moderna e sua exaltação à racionalidade quiseram eliminar a insanidade do espaço público e segregá-la. Ao longo da história, porém, o louco também já foi visto como o detentor da verdade. (Idei a da qual a literatura e o teatro se apropriaram amplamente, como nos mostram os personagens de Shakespeare e Miguel de Cervantes).

Ao escrever “Viúvas”, Dorfman fazia uma evocação do que se passava à época no Chile. O argentino viveu 17 anos no país, chegou a integrar o governo de Salvador Allende e partiu para o exílio após o golpe que conduziu o general Pinochet ao poder. Para conseguir publicar o livro e escapar à censura, transpôs a trama para uma cidadezinha grega. Apenas anos depois, em 1991, uma adaptação do texto para o teatro – realizada em parceria com o dramaturgo norte-americanoTony Kushner – devolveu a história ao contexto sul-americano. Na versão do Ói Nóis, não existe um lugar determinado, nem uma época sugerida. Vestes coloridas indicam uma raiz latina, festiva. Mas se poderia imaginar um povoado qualquer onde haja opressão e disputa de poder. No pró logo do espetáculo, que ocorre dentro do barco que leva os espectadores até a pequena ilha em que se dará a encenação, um homem fala de seu exílio e da inutilidade de localizar qual é o seu país. “Quando alguém está longe de sua pátria e não pode conciliar o sono e até os cachorros não latem da mesma forma, foi então que eu pensei: “Minha pátria? Importa tanto? De verdade, eu tenho que nomeá-la?”, ele pergunta.

Mesmo abstendo-se de uma localização geográfica, a montagem da companhia gaúcha costura laços com a ditadura militar brasileira e sua herança nefasta de mortos e desaparecidos. Em Porto Alegre, onde estreou em 2011, “Viúvas” era encenada em uma ilha onde antes funcionava um presídio. Espaço que, durante os anos 1960 e 1970, abrigou presos políticos. A escolha se relaciona claramente aos princípios do “teatro de vivência” proposto pelo grupo, fortemente inspirado pelo norte-americano Living Theatre e suas tentativas de dissolver ao máximo os limites entre palco e plateia. Quem assiste toma o lugar de testemunha participativa, obrigada a se deslocar, a experimentar cheiros e percalços do local, a integrar-se em situações de festa e de trabalho.

Para que fosse apresentada dentro do Mirada, a obra foi transposta para uma ilha, sede do museu histórico Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, fortificação construída em 1584. Por mais adequado que seja o espaço, porém, essa transposição não se deu sem algumas dificuldades. Fica nítida certa dificuldade do grupo em apropriar-se completamente do espaço – ao menos se comparada à apropriação que faziam do local ocupado em Porto Alegre. Uma falha no equipamento de luz também prejudicou a apresentação, comprometendo alguns de seus efeitos. Por último, também vale recordar que a duração do espetáculo foi reduzida, dando-lhe um tom ligeiro na resolução das cenas, sem o vagar necessário para envolver o espectador no que est&aa cute; em cena.

Do mesmo autor, o Ói Nóis já havia encenado “A Morte e a Donzela”. Mas cabe também fazer a ligação entre esse espetáculo e outros títulos recentes do seu repertório. Desde sua criação, em 1978, o coletivo se coloca em posição de repúdio aos valores dominantes. Isso se reflete seja em sua dinâmica de trabalho – que costuma renegar as hierarquias tradicionais que separam as posições de diretor, autor e ator – seja nas temáticas de suas obras. Seu mergulho nos mitos femininos, revisitando grandes personagens clássicas como Medeia, Cassandra e Antígona sob nova ótica, é exemplo eloqüente disso. Em “Medeia Vozes”, levado à cena em 2013, o grupo apoiava-se na leitura proposta pela alemã Crista Wolf, est udiosa que questiona a maneira como as tragédias gregas representam suas mulheres, sempre sob perspectiva masculina. Para relativizar a imagem de assassina dos próprios filhos que guardamos da tragédia de Eurípedes, Wolf traz Medeia como uma estrangeira estigmatizada e punida pelos poderosos da Grécia.

Os homens todos foram mortos, mas as mulheres puderam ficar. Em “Viúvas”, questiona-se também a ideia de um feminino naturalmente inerte. Como se todo o poder de contestação da ordem e da opressão fosse masculino. Como se uma mulher não representasse ameaça, mas apenas aceitação, resignação, obediência. Em uma das mais belas passagens da obra, a anciã fala a sua neta sobre a necessidade de contar histórias.

Cada narrativa sofre apropriações e adaptações de acordo com a época em que é contada. O que conhecemos são as histórias dos que venceram. Cabe ao narrador ir contra essas versões hegemônicas, assenhorar-se do poder de rememorar, ir contra o esquecimento. Sophia representa a memória: “Há histórias que pedem a gritos para ser contadas e, se não há palavras ainda para elas, cria-se pele para esperar o momento. O vento as leva, e a fumaça, e o rio, as palavras de cada história encontrarão o caminho até o lugar mais solitário e afastado, sempre que haja alguém que queira escutar”.

*Maria Eugênia de Menezes é jornalista e crítica teatral, atuou como repórter e crítica de teatro do Caderno 2, do jornal O Estado de S.Paulo, com experiência na cobertura de festivais no Brasil e no exterior. Também escreveu na Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas como o Circuito Cultural Paulista e membro do júri de prêmios como Prêmio Bravo! de Cultura, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Prêmio Governador do Estado de S.Paulo.

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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Quando só eu não me despi https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/quando-so-eu-nao-me-despi/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/quando-so-eu-nao-me-despi/#respond Sat, 17 Sep 2016 19:49:55 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2698 Por Julia Parpulov/Sesc Vila Mariana

Cena do espetáculo Psico/Embutidos | Foto: Matheus José Maria

Teve bastante nudez no Mirada e o espetáculo que mais chamou a atenção por isso foi o Psico/Embutidos, Carnicería Escénica, no qual todos os atores e atrizes ficam nus dentro de uma instalação que simula o sistema digestivo. O público, como se fosse um alimento, “passeia” pela instalação de 8 metros de altura, parando em frente a cada ator/atriz para uma cena, ou conversa, de dois minutos. Logo no início você também é convidado a se despir, se tiver vontade ou coragem.

Participei do espetáculo e não me senti à vontade para tirar a roupa, como a maioria do público, mas algumas pessoas sim. Pudor, vergonha, preocupação, são vários os motivos que não nos deixam nos expor assim, mesmo quando se é permitido. Pensando em trabalhar isso, houve um laboratório com o diretor da peça, Richard Viqueira, e com os atores Benjamín Castro, Karla Camarillo e José Palacios, em cima do processo de criação do espetáculo, abordando a nudez e buscando relatos de vida, por meio de métodos de criação teatral. Eu diria mais uma oficina de libertação.

Sabendo da grande possibilidade de ter que me despir neste laboratório, pedi para participar apenas como ouvinte. Conversei com os participantes antes, quatro meninas e dois meninos, avisando que só fotografaria o início da oficina. Não queria inibi-los. O diretor começou falando sobre a peça e sobre o que seria trabalhado na atividade. Depois o ator Benjamín Castro explicou o exercício das oito “estações”:

– Zona da Nudez
Obrigatoriamente teria que ser a primeira. Num quadrado marcado com fita crepe, bem no meio da sala, a pessoa deveria entrar lá e tirar toda sua roupa, no seu tempo, para então começar a passar pelas outras estações.

– Zona Cicatriz
Parar neste ponto e falar a história de alguma cicatriz de seu corpo.

– Zona Histórica
Comentar algum fato histórico marcante da sua vida ou político.

– Zona Apócrita (Falsa)
Dizer algo que é mentira mas que você faz, ou já fez, os outros acreditarem que é verdade.

– Zona à Própria Morte
Relatar algum momento em que esteve próximo de uma situação de morte.

– Zona Insignificante
Falar qualquer coisa que queira expor.

– Zona Emboscada
Refúgio onde o participante podia parar e só observar os outros, sem precisar falar ou fazer nada.

– Completar a frase: “O que fiz a 1ª vez que me descobri sexualmente…

Início do Laboratório “Experimentações Psicoembutidas” | Foto: Julia Parpulov

Todos começam a circular na sala, sob os comandos dos ministrantes. Correr o máximo que der, andar o mais lento possível, abaixar-se, elevar-se, arriscar-se na gravidade, pensar no limite do próprio corpo, contrastar com os seus parceiros, tentando manter um equilíbrio de movimentos entre um e outro para não cair na monotonia do ritmo. Assim seguiu por uns 15 minutos até o diretor, tentando manter naturalidade e ainda dando instruções, entrar e tirar a roupa na primeira zona. Na sequência, os atores, um a um foram se despindo. Logo os participantes também foram se sentindo à vontade e entraram de corpo e alma. Menos uma mulher.

Cada um parava na esfera que queria e contava aos ventos seus mais íntimos segredos, mas de uma forma caótica todos falavam ao mesmo tempo, mal se ouviam. Era uma exposição que mexeria com o interior de cada um. Continuavam a correr, se movimentar, todos como vieram ao mundo e já não se importando mais em estar daquele jeito tão vulnerável, pois todos estavam na mesma situação.

A sala começa a ficar quente pelo calor das palavras que saem da alma, misturadas aos medos antes guardados e ao odor corporal do esforço físico e do nervosismo. A mulher mais jovem ainda estava vestida. Só ela e eu. Mas ao final, numa clara indecisão, ela para por um momento com o pé em cima da linha da zona de nudez e como num salto a um precipício, entra e começa a ficar nua, faltando cinco minutos para encerrar o exercício. Aproveitou e começou a falar sobre si nas outras zonas. Sentia-se pronta agora.

Finalização do Laboratório “Experimentações Psicoembutidas” | Foto: Julia Parpulov

Depois de quase 30 minutos de exercício, o diretor recomenda que todos caminhem lentamente e se sentem em círculo, vestidos ou não. Viqueira fala suas impressões sobre como foi o processo no geral, como tiveram diferenças de tempos e de como alguns se expressam melhor com o corpo e outros com as palavras.

Por toda a oficina me senti uma estranha no ninho, uma intrusa invadindo a intimidade alheia, mas me encontrei em muito do que eles falaram e acredito que muitas pessoas também se espelhariam. Todos nós temos medos e expor seu corpo a pessoas completamente estranhas é uma maneira de arrancar estas inseguranças. Ficou claro que todos estavam na mesma situação de constrangimento, mas também na mesma situação de se libertar de algo. Ao final, cada um fez seu autorretrato, dizendo para aquele pequeno grupo, que praticamente virara sua família por uma tarde, suas histórias de vida e seus anseios. Houve comoção. Eu os admirei muito pelo que passaram e me senti menos humana estando de roupa ali naquela sala com eles. Vestida de pano e pele.

O trabalho com o corpo leva tempo, pois abre algumas portas. No fim, o que era para ser um processo teatral se tornou uma oficina para abrir o coração e a mente para os atores da vida. Todos somos corpos com histórias, só precisamos nos ouvir e saber ouvir e respeitar os outros. E mesmo assim só eu não me despi naquele dia.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

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Na pele dos refugiados https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/na-pele-dos-refugiados/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/na-pele-dos-refugiados/#comments Fri, 16 Sep 2016 21:56:40 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2432 por Renato Salles – Chicken or Pasta

fugit-3

Faltavam 5 minutinhos para as 6 da tarde, quando uma menina entrou na sala e avisou que a van sairia logo. Eu estava no meio de um texto complicado, com tudo espalhado na mesa, mas não teve jeito. Joguei tudo em uma sacola, larguei com alguém por perto, peguei só o essencial e saí correndo. Do lado de fora começava a esfriar, e eu, gripado, já estava arrependido de não pegar um casaco. A pressa era tanta que só percebi que estava apertado e com sede quando chegamos à Estação Valongo, uma estação de trem desativada, que estava fechada e nos deixava ao relento. Eram as minhas primeiras poucas horas de vida como um verdadeiro refugiado.

O espetáculo ‘Fugit‘, da companhia espanhola Kamtchàtka, começa quando um bonde antigo de madeira para em frente à estação. Dois homens com malas na mão descem desconfiados, à procura sinais de perigo, e convidam o nosso grupo a entrar. É hora de fugir de casa, sem olhar para trás, sem saber para onde.

Somos levados a um prédio abandonado, semi-destruído. Estamos em guerra. Do alto de uma escada, alguém mantém vigília contra o algoz invisível. Os outros desempenham tarefas aparentemente triviais, enquanto esperam um sinal.  Eles são líderes da nossa rebelião, e não resta saída a não ser confiar em seus comandos. Nenhuma palavra é dita, nunca. O inimigo pode estar ouvindo.

Somos divididos em grupos menores aleatórios, separados de nossos pares. Numerosos, chamamos muita atenção. Chega o momento, e é hora de escapar.  Saímos à rua, e a sensação de vulnerabilidade é latente. As ordens continuam gestuais: Agache-se! Corra! Salve-se se puder! Vamos passando por lugares feios e sujos, degradados, sem senso de direção. Perdemos nossas identidades, entregamos anônimos nossas vidas na mão de alguns poucos. É a nossa única chance. Os líderes nos mostram pequenos truques de sobrevivência. Nos ensinam a racionar a comida. Não sabemos quando o inferno termina. A fuga segue cada vez mais frenética e desorientadora. A tensão é cortante. O barco navega na escuridão e as histórias de cada um ardem no fogo e se tornam cinzas.

fugit-1

De repente, um encontro. Ao longe vemos pessoas chegando. São nossos companheiros, todos a salvo. Chegamos à segurança. É um momento feliz, de celebração. O choro desce junto com os sorrisos e abraços impossíveis de segurar. Mas ainda estamos no limbo. Sobreviver é diferente de viver, e agora precisamos achar um novo lar, fora, longe. É um mergulho no escuro. É um conhecer-se de novo. Basta confiar.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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[Crítica] Da lama ao caos https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/da-lama-ao-caos/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/da-lama-ao-caos/#respond Fri, 16 Sep 2016 20:18:26 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2442 Por Pollyanna Diniz, do Satisfeita, Yolanda?

caranguejo-overdrive

No mangue não se paga casa, come-se caranguejo e anda-se quase nu. O mangue é um paraíso. Sem o cor-de-rosa e o azul do paraíso celeste, mas com as cores negras da lama, paraíso dos caranguejos. (O ciclo do caranguejo, Josué de Castro)

Caranguejo Overdrive, espetáculo da carioca Aquela Cia. de Teatro, é fruto da potência da reverberação até os dias de hoje das ideias do Manguebeat, surgido na capital pernambucana, Nordeste do Brasil, na década de 1990. No movimento que teve como propulsores nomes como Chico Science, Nação Zumbi, Fred Zero Quatro e Renato L, a música assumiu caráter político, de manifestação e denúncia social. As letras estavam cheias de referência ao Recife; em 1991, segundo uma pesquisa do Instituto de Washington, a quarta pior cidade do mundo para se viver. “É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo / Escutando o som das vitrolas que vem dos mocambos / Entulhados à beira do Capibaribe / Na quarta pior cidade do mundo”, dizia Antene-se, de Chico Science.

O manifesto Caranguejos com cérebro, que saiu no encarte do icônico disco Da lama ao caos, de Chico Science e Nação Zumbi, cobrava a conta de uma ideia de progresso calcada no crescimento desenfreado: “A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade “maurícia” passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais. Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade”.

A obra de Josué de Castro, autor de Geografia da fome, que serviu como inspiração para o Manguebeat (“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça / Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”, trecho de Da Lama ao Caos), também foi referencial para Pedro Kosovski, dramaturgo do espetáculo Caranguejo Overdrive. Cosme, um caranguejo que um dia foi homem, resgata em sua essência/trajetória as ideias do pernambucano.

Logo no início do espetáculo, o personagem nos transporta ao mesmo universo de que fala Josué de Castro em O ciclo do caranguejo: “Os mangues do Capibaribe são o paraíso do caranguejo. Se a terra foi feita pro homem, com tudo para bem servi-lo, também o mangue foi feito especialmente pro caranguejo. Tudo aí, é, foi ou está para ser caranguejo, inclusive o homem e a lama que vive nela”, escreveu Castro. Da boca de Cosme, ouvimos: “(…) há uma importante diferença entre mim e os homens, pois eu não morro de fome como eles, eu me farto com os restos que um dia foram eu, enquanto eles morrem de fome, pois não há caranguejos para tantos homens”.

O Manguebeat e Josué de Castro propiciam o arcabouço teórico e estético para que a Aquela Cia. de Teatro discuta a sua própria aldeia, o Rio de Janeiro; e, através dela, de alguma forma todas as grandes cidades do país. A metáfora da antena parabólica enterrada na lama continua fazendo sentido. No enredo, Cosme é um catador de caranguejo do Mangal de São Diogo, atual Cidade Nova, no Rio de Janeiro. Obrigado a servir ao exército brasileiro na Guerra do Paraguai (1864-1870), Cosme presencia todas as atrocidades de uma guerra que não lhe dizia respeito, incluindo as mortes, as pestes (como a cólera) e a tortura dos próprios aliados do governo brasileiro.

Ao voltar para o Rio de Janeiro, com o corpo e o psicológico afetados, o personagem não encontra mais o seu lugar de origem. No local, uma grande obra para aterrar o mangue e construir um canal ligando a zona portuária ao Centro do Rio de Janeiro. O texto é direto ao perguntar quem ganhou a concessão para as obras. Mas esse movimento dramatúrgico que se reflete na identificação direta que o público traça com os dias atuais, avança ainda mais quando uma puta paraguaia, interpretada pela atriz Carolina Virgüez, dispõe-se a ser guia turística de Cosme. Além de apresentar os motivos das mudanças na paisagem natural a Cosme, a puta paraguaia é a responsável por ministrar uma hilária aula de história do Brasil, desde os tempos de Getúlio Vargas até o impeachment. A atuação de Carolina Virgüez, aliás, em todas as suas personagens, é um dos pontos altos da montagem; enquanto os demais trazem uma realidade mais crua e dura, Carolina carrega o tom de ironia e humor na peça com muita perspicácia e talento.

Nesse percurso de volta ao mangue, ao estado de caranguejo, há espaço ainda para tratar da precarização do trabalho nos canteiros da construção civil. Cosme aceita cavar buracos em troca de um prato de comida. Vira escravo do sistema; afinal, não há mesmo caranguejos para aplacar a fome de tantos homens.

Além do texto, que extrapola temporalidades, indo da Guerra do Paraguai aos processos políticos mais recentes, as demais escolhas da direção de Marco André Nunes, com relação às atuações, cenografia e música, fazem de Caranguejo Overdrive uma obra potente em suas possibilidades político e estéticas. A começar pelos próprios corpos dos atores, principalmente a serviço desse imbricado duplo homem-caranguejo. O personagem principal perpassa todos os atores homens da montagem – Alex Nader, Eduardo Speroni, Fellipe Marques, Matheus Macena e Samuel Vieira, mas com registros de corpo e voz distintos. Impressiona o personagem homem-caranguejo de Matheus Macena, com fala entrecortada e gestos do animal. Ou a transformação de Fellipe Marques em caranguejo – por cerca de 20 minutos, o ator fica na posição de caranguejo.

Em se tratando de uma peça que tem suas raízes no Manguebeat, a música não poderia estar em segundo plano. Uma banda ao vivo, formada por Felipe Storino, Maurício Chiari e Samuel Vieira trazem a batida pesada, que nos lembra o som do próprio Chico Science e da Nação Zumbi. Na cenografia, uma caixa de areia iluminada por seis luminárias, uma gaiola, um aquário, um quadro branco. Poucos elementos de cena, reforçando a crueza temática.

Caranguejo Overdrive revisita as ideias do Manguebeat, mas não fica presa às suas fronteiras, incorporando outras camadas de leitura. A Aquela Cia. de Teatro está tratando dos nossos desejos políticos e afetivos, de identidade, de ocupação do espaço público, de projeto de cidade, de política. E, nesse emaranhado, da lama que nos paralisa, das nossas impossibilidades levadas à exaustação, da consciência de um percurso.

É uma montagem necessária ao Brasil, principalmente neste momento específico; mas imprescindível (assim como O avesso do claustro, da Cia do Tijolo, que conta a história de Dom Helder Câmara) ao Recife. A peça traça um percurso de resistência, assim como a cidade onde uma avenida cortando o mangue, a Via Mangue, demorou mais de dez anos para ficar pronta, custando a cifra de R$ 500 milhões. No bairro do Pina, por trás do shopping mais rico do Recife, da janela do carro seguindo por essa via, avistamos o pôr-do-sol e as palafitas erguidas sobre o rio, habitadas por homens-caranguejo.

Nas sessões do Mirada, por conta de uma lei municipal, os caranguejos vivos que são utilizados em cena tiveram que ser substituídos por pedras. Provavelmente, uma diferença significativa à encenação; por outro lado, que possamos traçar metáforas. Afinal, andar para frente não é sinônimo de progresso. “(…) andar para frente é necessariamente andar para trás, recomeçar onde o fim não se precipita”, diz Cosme. A grande questão talvez esteja na paralisia, na luta diária para não nos tornamos pedra.


*Pollyanna Diniz é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), há cinco anos edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda?, do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015) e a Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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A memória do teatro paulista pelas lentes de Bob Sousa https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/a-memoria-do-teatro-paulista-pelas-lentes-de-bob-sousa/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/a-memoria-do-teatro-paulista-pelas-lentes-de-bob-sousa/#respond Fri, 16 Sep 2016 19:39:32 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2435 Por Rafael Munduruca – Sesc SP e Iran Giusti – Chicken or Pasta

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Há quinze anos, Bob Sousa decidiu se dedicar a unificar suas paixões: a fotografia e o teatro. De forma independente passou a clicar espetáculos em São Paulo, e aos poucos se tornou uma referência em retratar o que se passa nos palcos.

Formado em publicidade, ensaiou o estudo do teatro na adolescência, mas foi só nos anos 90 que sua relação com os palcos se estreitaram. “Eu assistia muito [a companhia de teatro paulistana] Ornitorrinco. Eu fazia cursinho com o Eduardo Silva, ator do grupo e acabei indo duas, três vezes na mesma peça”, conta Bob, lembrando que ao fazer retratos para seu primeiro livro, “Retratos do Teatro”, tinha como propósito fotografar todas as peças do grupo. “E eu consegui quase todos”, comemora.

O processo para a produção dessas imagens é elaborado e intenso. “Primeiro eu analiso o texto, de quem é, o que é, o grupo, a estética que o grupo tem. Eu dou uma pesquisada antes”, diz, explicando ainda que também conta com regras impostas pela produção dos espetáculos e por si mesmo. “Sempre fico sentado, nunca me movimento, não uso flash, desligo todos os botões da câmera que podem emitir luz ou barulho”.

Das dificuldades, Bob destaca problemas técnicos como barulho ou pouca luz, porém nada que inviabilize o trabalho. “Acabo resolvendo de algum jeito, com lentes mais claras e tripé. E também vai da linguagem. Você pode desfocar uma imagem, tecnicamente, que ela vai representar o que é”. Além desses percalços tem a questão de entendimento dos atores da importância do registro. “Quando você encontra um grupo que sabe que você está ali, que respeita o seu trabalho, que quer aquilo, é muito bacana. Quando não, tudo se torna muito difícil. Acho que pra qualquer profissional”, completa.

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Cena do espetáculo “Sua Incelença Ricardo III” no Mirada 2016, por Bob Sousa.

Relembrando o começo do seu trabalho, Bob conta os problemas que teve com o Teatro Oficina, o icônico grupo liderado pelo dramaturgo Zé Celso. “Na época, estavam encenando ‘Os Sertões’ (obra dividida em cinco espetáculos) e faltava uma parte para acabar e eu não pude fotografar, falaram que só podia se fosse da imprensa”. Hoje, no entanto, o fotografo é sempre o primeiro a registrar o trabalho do grupo, antes mesmo da mídia.

Diante dessa abertura, o fotógrafo acabou sendo peça importante na preservação da memória do teatro paulistano, e na academia encontrou o espaço ideal para organizar todo o material coletado. “Fiz o mestrado na Unesp, orientado pelo pesquisador Alexandre Mate. O objetivo inicial era a fotografia de teatro mas no fim acabou sendo a minha fotografia. Acabei pesquisando a mim mesmo, algo muito difícil. Abordo qual é o lugar da fotografia na cena e, consequentemente, qual o lugar do fotógrafo, da estética e por aí vai”.

Para a Unesp, Bob doou parte de seu acervo para o Portal de História do Teatro Mundial e Brasileiro. “E continuo subindo aos poucos, porque não para. Mas é um lugar que está lá. Eu queria muito isso porque, por ser eu sozinho, por eu não ser de um jornal, não ser de uma instituição, eu tinha que manter isso. Eu tinha medo que isso se perdesse comigo”, explica.

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Cena do espetáculo “O Avesso do Claustro” no Mirada 2016, por Bob Sousa.

O fotógrafo explica ainda as diferentes formas de realizar os registros. “São várias vertentes na fotografia: tem a foto de divulgação, que pode ser posada, pode ser construída. Tem a foto de imprensa, que pode ser pautada pelo veículo, algo que não gosto porque, em geral, as coisas surgem do momento”, dispara. Sua preferência é ser espectador e inclusive evita acompanhar ensaios ou fazer fotos posadas. “Gosto de sentar ali e assistir, de me jogar no buraco, no abismo, sem saber o que vai acontecer. Chorar junto, rir junto, realmente captar o olhar de espectador”. A técnica, porém, o impede de conseguir ver espetáculos sem a companhia das suas lentes. “Não dá, eu fico pensando que poderia ter feito foto daquele momento, observando uma luz bonita, me desconcentro todo, ao contrário de quando estou com a câmera”.

Em 2016, Bob veio pela primeira vez ao Mirada e a impressão foi das melhores. “Estar em um festival com vários espetáculos, de vários grupos, de outros países até, é muito bacana. É muito diferente daquela pauta que você vai e está tudo combinadinho. Essa loucura de vai pra lá e vai pra cá, das relações. A fotografia está sendo construída aí, nesses caminhos”, finaliza.

Clique aqui para saber mais sobre o trabalho do fotógrafo.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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