refugiados – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Sobre simulacros e tentativas de proporcionar experiência https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-sobre-simulacros-e-tentativas-de-proporcionar-experiencia/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-sobre-simulacros-e-tentativas-de-proporcionar-experiencia/#respond Sun, 18 Sep 2016 00:34:07 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2740 Por Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda?

28432645573_6c4247c954_c

Em Fugit, o grupo espanhol Kamchàtka propõe ao espectador a experiência, que se desdobra e pode perpassar diversos níveis. Apresentado nas ruas do centro histórico de Santos no Mirada, o espetáculo traça um percurso físico, sensorial, afetivo, simbólico. Ao chegarmos ao ponto de encontro marcado, no Centro de Pesquisa das Narrativas Visuais do Valongo, os atores – todos carregando malas antigas – nos levam a um rápido passeio de bonde. Desembarcamos em poucos minutos numa construção em ruínas. Lá dentro, devagar, atravessamos um caminho pontuado por tábuas, até uma espécie de instalação cênica. Em cima de um monte de areia, mapas são espalhados; noutro canto, no alto, uma mulher separa lençóis e joga para os companheiros e até para alguns espectadores. Mesmo que o trajeto pela construção até essa cenografia seja praticamente solitário, todos ocupamos o mesmo espaço.

Em determinado momento, os atores vão escolhendo e separando os espectadores em grupos e levando para lugares distintos. Começa então, de fato, a experiência de Fugit. Último espetáculo de uma trilogia – antes vieram Kamchàtka (2007) e Habitaculum (2010) – a peça tenta nos aproximar da experiência dos refugiados. Como sabemos, a migração forçada, uma questão também tratada durante o festival por Birdie, do espanhol Agrupación Señor Serrano, se tornou uma tragédia humanitária de proporções mundiais.

Na proposta cênica de Fugit, a primeira dimensão é a do deslocamento, que começa desde o ponto de encontro, mas só vai se acentuar ao longo do espetáculo. A segunda, a da barreira da língua. Como para acentuar que todos somos estrangeiros, o espetáculo não é falado, nenhuma palavra será dita pelos atores. E a terceira talvez seja a da separação. O filho adolescente não estará com a mãe; casais, namorados não ficarão juntos na peça; os amigos do colégio distantes.

Minutos depois, os atores nos mostram passaportes e celulares; e nos impelem a colocar dentro de um saco de lixo celulares e carteiras de identificação. As pessoas se entreolham, como se questionassem entre si a necessidade de entregar mesmo os objetos, se confiam naqueles homens. Sem os nossos documentos, é como se estivéssemos mais frágeis, tendo nossas identidades questionadas. Não podemos mais provar quem somos, deixamos de ser alguém com nome e número, protegidos pela suposta segurança das regras das leis. Sem os celulares, vemos tolhida a nossa capacidade de comunicação, de estar em contato com o outro, para além daqueles que nos rodeiam fisicamente. Mas se o refugiado não tem escolha, geralmente deixando tudo para trás, fugindo de situações que extrapolam os limites da segurança da vida, aos espectadores também não é aberta a possibilidade da recusa. Começam ali os exercícios do desapego e do desamparo e, principalmente esse último, vai se prolongar por toda experiência.

A partir de então, andamos de ônibus escondidos por lençóis, atravessamos ruas encostados nas paredes, entramos sorrateiramente em lugares estranhos, nos escondemos por trás de carros no estacionamento, ficamos por alguns minutos de um banheiro minúsculo. Um dos momentos mais fortes é quando o ator tira da mala, com todo cuidado, um pedaço de pão. E as pessoas são levadas a dividir o alimento. No meu grupo, um dos atores também compartilhou a água mineral de um espectador. A privação, a fome, recorrentemente, o desamparo. Há também uma cena simples e tocante, sobre a possível falência dos projetos de fuga e imigração. Quantos ali escapariam com vida, se tudo fosse verdade e não uma encenação? E, mesmo que dê certo, que as famílias consigam estar juntas, como trabalhar a questão da identidade, do pertencimento? A angústia do exílio, do ser estrangeiro, do não-lugar.

O vídeo de um menino de cinco anos, coberto de pó e ensanguentado, assustado, mas resignado, vítima de um ataque aéreo na cidade síria de Aleppo, ou a foto do garoto morto na praia da Turquia, depois que a embarcação em que estava ter naufragado, conseguem nos mobilizar. Com forte apelo, essas imagens viralizam pelas redes sociais muito rapidamente, conseguindo nos dar indícios e nos transportar à realidade de crueldade diária enfrentada pelos refugiados. Fugit opera nessa mesma lógica: tentar nos sensibilizar através da experiência.

Há questões, no entanto, que se mostram nevrálgicas. A principal delas é a necessidade de que o espectador esteja realmente disposto a se envolver, a jogar, a correr pelas ruas da sua cidade como se fosse um fugitivo, a se permitir vivenciar as situações. Nesse sentido, talvez alguns fatores possam amplificar a possibilidade da experiência ao espectador. A sessão realizada no período da noite seria mais impactante do que a realizada durante a noite? Ou um dos trajetos mais disparador do que outros? Nesse cenário, é importante ressaltar a qualidade dos atores. Os seus corpos permanecem, desde o início da montagem, em estado constante de jogo e de capacidade de improviso.

Tanto a potência quanto a fragilidade de Fugit estão relacionadas à mesma raiz: a simulação da realidade. Ao mesmo tempo em que a proposta do grupo pode nos colocar na situação de crise, de assumir o lugar do outro, de questionar o mundo em que vivemos, tudo será sempre um jogo. E, nesse sentido, se o jogo por algum motivo não se estabelecer com o espectador, a experiência fica diminuída. A impossibilidade – as dimensões do real superam quaisquer tentativas – de vivenciar de fato a realidade de um refugiado é uma questão instransponível. O que se pode fazer, e o grupo Kamchàtka tenta com inteligência, é tirar o máximo de proveito da experiência que o simulacro pode nos oferecer.

__________________

Pollyanna Diniz é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), há cinco anos edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda? (www.satisfeitayolanda), do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015) e a Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

 

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-sobre-simulacros-e-tentativas-de-proporcionar-experiencia/feed/ 0
Na pele dos refugiados https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/na-pele-dos-refugiados/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/na-pele-dos-refugiados/#comments Fri, 16 Sep 2016 21:56:40 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2432 por Renato Salles – Chicken or Pasta

fugit-3

Faltavam 5 minutinhos para as 6 da tarde, quando uma menina entrou na sala e avisou que a van sairia logo. Eu estava no meio de um texto complicado, com tudo espalhado na mesa, mas não teve jeito. Joguei tudo em uma sacola, larguei com alguém por perto, peguei só o essencial e saí correndo. Do lado de fora começava a esfriar, e eu, gripado, já estava arrependido de não pegar um casaco. A pressa era tanta que só percebi que estava apertado e com sede quando chegamos à Estação Valongo, uma estação de trem desativada, que estava fechada e nos deixava ao relento. Eram as minhas primeiras poucas horas de vida como um verdadeiro refugiado.

O espetáculo ‘Fugit‘, da companhia espanhola Kamtchàtka, começa quando um bonde antigo de madeira para em frente à estação. Dois homens com malas na mão descem desconfiados, à procura sinais de perigo, e convidam o nosso grupo a entrar. É hora de fugir de casa, sem olhar para trás, sem saber para onde.

Somos levados a um prédio abandonado, semi-destruído. Estamos em guerra. Do alto de uma escada, alguém mantém vigília contra o algoz invisível. Os outros desempenham tarefas aparentemente triviais, enquanto esperam um sinal.  Eles são líderes da nossa rebelião, e não resta saída a não ser confiar em seus comandos. Nenhuma palavra é dita, nunca. O inimigo pode estar ouvindo.

Somos divididos em grupos menores aleatórios, separados de nossos pares. Numerosos, chamamos muita atenção. Chega o momento, e é hora de escapar.  Saímos à rua, e a sensação de vulnerabilidade é latente. As ordens continuam gestuais: Agache-se! Corra! Salve-se se puder! Vamos passando por lugares feios e sujos, degradados, sem senso de direção. Perdemos nossas identidades, entregamos anônimos nossas vidas na mão de alguns poucos. É a nossa única chance. Os líderes nos mostram pequenos truques de sobrevivência. Nos ensinam a racionar a comida. Não sabemos quando o inferno termina. A fuga segue cada vez mais frenética e desorientadora. A tensão é cortante. O barco navega na escuridão e as histórias de cada um ardem no fogo e se tornam cinzas.

fugit-1

De repente, um encontro. Ao longe vemos pessoas chegando. São nossos companheiros, todos a salvo. Chegamos à segurança. É um momento feliz, de celebração. O choro desce junto com os sorrisos e abraços impossíveis de segurar. Mas ainda estamos no limbo. Sobreviver é diferente de viver, e agora precisamos achar um novo lar, fora, longe. É um mergulho no escuro. É um conhecer-se de novo. Basta confiar.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/na-pele-dos-refugiados/feed/ 1
Refugiados no teatro https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/refugiados-no-teatro/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/refugiados-no-teatro/#respond Fri, 09 Sep 2016 22:23:43 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1477 refugiados-no-teatro

por Iran Giusti – Chicken or Pasta

Segundo a agência da ONU para refugiados, 65,3 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas por conta de guerras e conflitos até o final de 2015. Isso significa que uma em cada 113 pessoas do mundo é solicitante de refúgio. A questão é um tema global mais que atual e não poderia ficar de fora do Mirada 2016. Nesta edição, três espetáculos abordam o tema.

No espetáculo espanhol “Fugit”, os espectadores fazem o percurso junto com os artistas, como se estivessem realmente fugindo para um outro país. Assim o público é tirado da passividade para tornar-se protagonista, tendo que lidar física e emocionalmente com questões como abandono, medo, insegurança e esperança. As cenas acontecem nas ruas do Centro Histórico de Santos.   

De forma mais subjetiva, a Agrupación Señor Serrano, vencedora do Leão de Prata da Bienal de Veneza 2015, discute o fenômeno da miragem e do refúgio com a ajuda da cenografia e projeções na peça “Birdie”.  

Quem acompanha as notícias sobre as crises de refugiados, também já se acostumou a assistir cenas de destruição abarrotada de entulhos. Reproduzindo essa estética, a peça “Andante” traz sapatos, malas, velas, espelhos trincados, cadeiras quebradas, areia, cacos de telha, entre outros materiais, espalhados em cena junto a três atores e um músico. Tudo em plena rua.

Em comum, além da temática, os espetáculos carregam a bandeira da Espanha, o país homenageado pelo Mirada 2016 e parte da União Europeia, que só nos dois primeiros meses do ano recebeu 130 mil refugiados através do Mar Mediterrâneo.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/refugiados-no-teatro/feed/ 0