Mexico – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Webdoc] Psico/Embutidos, Carnicería Escénica – Compañia de La Universidad Veracruzana https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-psicoembutidos-carniceria-escenica-compania-de-la-universidad-veracruzana/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-psicoembutidos-carniceria-escenica-compania-de-la-universidad-veracruzana/#respond Thu, 20 Oct 2016 20:53:41 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=3017

“A carne é história. A gente guarda ficções na carne, e o corpo é um montoado de vísceras, de tempo, de ideias, de amores, desamores, desencontros”.

O objetivo do autor e diretor Richard Viqueira com a vivência sensorial Psico/Embutidos é transmitir a sensação de uma travessia dentro do organismo vivo. Afinal, somos todos perecíveis?

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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[Webdoc] Cuando Todos Pensaban que Habíamos Desaparecido – Vaca 35 Teatro en Grupo https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-cuando-todos-pensaban-que-habiamos-desaparecido-vaca-35-teatro-en-grupo/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/webdoc/webdoc-cuando-todos-pensaban-que-habiamos-desaparecido-vaca-35-teatro-en-grupo/#respond Fri, 07 Oct 2016 21:15:17 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2979

“Acredito que é o reencontro, o momento de abrir a boca e dizer o que não se pôde dizer a tempo.”

Em “Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido”, apresentado no MIRADA 2016, os mexicanos do Vaca 35 Teatro en Grupo trouxeram ao Brasil um teatro documental baseado na comida e na festa dos mortos. Ao contrário do tabu ocidental, na cultura mexicana o Dia de Finados é celebrado com as casas enfeitadas e os familiares e amigos preparando os pratos favoritos daqueles que não se encontram mais fisicamente entre eles.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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Quando só eu não me despi https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/quando-so-eu-nao-me-despi/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/quando-so-eu-nao-me-despi/#respond Sat, 17 Sep 2016 19:49:55 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2698 Por Julia Parpulov/Sesc Vila Mariana

Cena do espetáculo Psico/Embutidos | Foto: Matheus José Maria

Teve bastante nudez no Mirada e o espetáculo que mais chamou a atenção por isso foi o Psico/Embutidos, Carnicería Escénica, no qual todos os atores e atrizes ficam nus dentro de uma instalação que simula o sistema digestivo. O público, como se fosse um alimento, “passeia” pela instalação de 8 metros de altura, parando em frente a cada ator/atriz para uma cena, ou conversa, de dois minutos. Logo no início você também é convidado a se despir, se tiver vontade ou coragem.

Participei do espetáculo e não me senti à vontade para tirar a roupa, como a maioria do público, mas algumas pessoas sim. Pudor, vergonha, preocupação, são vários os motivos que não nos deixam nos expor assim, mesmo quando se é permitido. Pensando em trabalhar isso, houve um laboratório com o diretor da peça, Richard Viqueira, e com os atores Benjamín Castro, Karla Camarillo e José Palacios, em cima do processo de criação do espetáculo, abordando a nudez e buscando relatos de vida, por meio de métodos de criação teatral. Eu diria mais uma oficina de libertação.

Sabendo da grande possibilidade de ter que me despir neste laboratório, pedi para participar apenas como ouvinte. Conversei com os participantes antes, quatro meninas e dois meninos, avisando que só fotografaria o início da oficina. Não queria inibi-los. O diretor começou falando sobre a peça e sobre o que seria trabalhado na atividade. Depois o ator Benjamín Castro explicou o exercício das oito “estações”:

– Zona da Nudez
Obrigatoriamente teria que ser a primeira. Num quadrado marcado com fita crepe, bem no meio da sala, a pessoa deveria entrar lá e tirar toda sua roupa, no seu tempo, para então começar a passar pelas outras estações.

– Zona Cicatriz
Parar neste ponto e falar a história de alguma cicatriz de seu corpo.

– Zona Histórica
Comentar algum fato histórico marcante da sua vida ou político.

– Zona Apócrita (Falsa)
Dizer algo que é mentira mas que você faz, ou já fez, os outros acreditarem que é verdade.

– Zona à Própria Morte
Relatar algum momento em que esteve próximo de uma situação de morte.

– Zona Insignificante
Falar qualquer coisa que queira expor.

– Zona Emboscada
Refúgio onde o participante podia parar e só observar os outros, sem precisar falar ou fazer nada.

– Completar a frase: “O que fiz a 1ª vez que me descobri sexualmente…

Início do Laboratório “Experimentações Psicoembutidas” | Foto: Julia Parpulov

Todos começam a circular na sala, sob os comandos dos ministrantes. Correr o máximo que der, andar o mais lento possível, abaixar-se, elevar-se, arriscar-se na gravidade, pensar no limite do próprio corpo, contrastar com os seus parceiros, tentando manter um equilíbrio de movimentos entre um e outro para não cair na monotonia do ritmo. Assim seguiu por uns 15 minutos até o diretor, tentando manter naturalidade e ainda dando instruções, entrar e tirar a roupa na primeira zona. Na sequência, os atores, um a um foram se despindo. Logo os participantes também foram se sentindo à vontade e entraram de corpo e alma. Menos uma mulher.

Cada um parava na esfera que queria e contava aos ventos seus mais íntimos segredos, mas de uma forma caótica todos falavam ao mesmo tempo, mal se ouviam. Era uma exposição que mexeria com o interior de cada um. Continuavam a correr, se movimentar, todos como vieram ao mundo e já não se importando mais em estar daquele jeito tão vulnerável, pois todos estavam na mesma situação.

A sala começa a ficar quente pelo calor das palavras que saem da alma, misturadas aos medos antes guardados e ao odor corporal do esforço físico e do nervosismo. A mulher mais jovem ainda estava vestida. Só ela e eu. Mas ao final, numa clara indecisão, ela para por um momento com o pé em cima da linha da zona de nudez e como num salto a um precipício, entra e começa a ficar nua, faltando cinco minutos para encerrar o exercício. Aproveitou e começou a falar sobre si nas outras zonas. Sentia-se pronta agora.

Finalização do Laboratório “Experimentações Psicoembutidas” | Foto: Julia Parpulov

Depois de quase 30 minutos de exercício, o diretor recomenda que todos caminhem lentamente e se sentem em círculo, vestidos ou não. Viqueira fala suas impressões sobre como foi o processo no geral, como tiveram diferenças de tempos e de como alguns se expressam melhor com o corpo e outros com as palavras.

Por toda a oficina me senti uma estranha no ninho, uma intrusa invadindo a intimidade alheia, mas me encontrei em muito do que eles falaram e acredito que muitas pessoas também se espelhariam. Todos nós temos medos e expor seu corpo a pessoas completamente estranhas é uma maneira de arrancar estas inseguranças. Ficou claro que todos estavam na mesma situação de constrangimento, mas também na mesma situação de se libertar de algo. Ao final, cada um fez seu autorretrato, dizendo para aquele pequeno grupo, que praticamente virara sua família por uma tarde, suas histórias de vida e seus anseios. Houve comoção. Eu os admirei muito pelo que passaram e me senti menos humana estando de roupa ali naquela sala com eles. Vestida de pano e pele.

O trabalho com o corpo leva tempo, pois abre algumas portas. No fim, o que era para ser um processo teatral se tornou uma oficina para abrir o coração e a mente para os atores da vida. Todos somos corpos com histórias, só precisamos nos ouvir e saber ouvir e respeitar os outros. E mesmo assim só eu não me despi naquele dia.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

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Espetáculos que sobem a serra https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/espetaculos-que-sobem-a-serra/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/espetaculos-que-sobem-a-serra/#comments Fri, 16 Sep 2016 15:00:56 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2224 Por Patrícia Diguê

A partir deste sábado (17), espetáculos que participam do Mirada serão levados a outras unidades do Sesc, dentro do projeto Extensão Mirada. Eles passam pelo Sesc Consolação, Pompeia, Pinheiros, Bom Retiro, Ipiranga, Vila Mariana e Sorocaba. Confira:
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Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido – gastronomiaescénica (MEX)

O subtítulo dessa criação coletiva fornece outras pistas para o que virá: gastronomia cênica e teatro documental baseado na comida e na festa dos mortos. Ao contrário do tabu ocidental, na cultura mexicana o Dia de Finados é celebrado com as casas enfeitadas e os familiares e amigos preparando os pratos favoritos daqueles que não se encontram mais fisicamente entre eles. Sábado e domingo  17 e 18/09 – Pompeia

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¿Que haré yo con esta espada? (Aproximación a la ley y al problema de la belleza) (ESP)

O trabalho que estreou no Festival d’Avignon, em julho, parte de dois crimes transcorridos em Paris, em diferentes épocas: o canibalismo do universitário japonês Issei Sagawa, que esquartejou a namorada e declarou tê-lo feito por amor em 1981, e o terrorismo dos ataques em série que deixaram 130 mortos na noite de 15 de novembro de 2015. Apesar de macabros, a artista catalã Angélica Liddell prospecta em cena uma tomada de consciência da própria existência, uma rebelião contra o racionalismo. Sábado e domingo – 17 e 18/09 – Pinheiros

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No daré hijos, daré versos (URU)

O drama intercala prosa e canções a partir da vida e da obra da poeta Delmira Agustini (1886-1914), cuja memória e arte andavam relegadas até ganhar novo alento nos últimos anos. Ela morreu assassinada a tiros pelo ex-marido. Referência no teatro de pesquisa em seu país, a dramaturga e diretora Marianella Morena compõe três atos em movimentos distintos em gênero e linguagem, do realismo ao hiper-realismo. Questiona a premissa de verdade única borrando o real, a história e a ficção. Terça e quarta – 20 e 21/09 – Ipiranga

dinamo

Dínamo (ARG)

Acompanhamos o inusitado contexto de três mulheres que compartilham um trailer perdido em alguma estrada qualquer. Em princípio, elas não sabem da presença das demais. A peça expõe como tanta solidão e estranhamento podem gerar novas energias à vida. Quarta – 21/09 – Sorocaba / Sábado e domingo – 24 e 25/09 – Bom Retiro

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La contadora de películas (CHI)

Não é difícil imaginar as dificuldades de quem vive e trabalha na região das minas de salitre no deserto de Atacama, no norte chileno. Foi lá que o escritor Hernán Rivera Letelier, de 66 anos, passou a infância e, por isso, escolheu a geografia isolada para ambientar a história de María Margarita no livro lançado em 2009 e adaptado sob mesmo título pela Cia. Teatrocinema, em 2015. Quarta e quinta – 21 e 22/09 – Vila Mariana

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Psico/embutidos, carnicería escénica (MEX)

Essa instalação cênica replica o aparelho digestivo e propõe uma vivência sensorial. A obra deglute os espectadores, estimulados a transitar pela estrutura em diferentes níveis, no limite de oito metros, contornando obstáculos até a etapa em que todos são, simbolicamente, expulsos do mecanismo. O objetivo do autor e diretor Richard Viqueira é transmitir a sensação de cumprir essa travessia dentro do organismo vivo. O itinerário é feito de encontros com os 19 atores, um a um, cujas idades variam na casa dos 20 aos 80. De sexta a sábado – 23/09 a 01/10 – Consolação

**Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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8 sensações que você vai experimentar ao assistir Psico/Embutidos Carnicería Escénica https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/8-sensacoes-que-voce-vai-experimentar-ao-assistir-psicoembutidos-carniceria-escenica/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/8-sensacoes-que-voce-vai-experimentar-ao-assistir-psicoembutidos-carniceria-escenica/#respond Sun, 11 Sep 2016 22:45:19 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1660 Por Iran Giusti – Chicken or Pasta

1. Deslumbramento

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Com 6 metros de altura, a estrutura composta de vinte ambientes além de um imenso escorregador causa uma sensação de deslumbre, e você vai precisar de pelo menos uns 10 minutos para visualizar superficialmente tudo que se encontra ali.

2. Falta de ar 

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Não vamos dar spoilers, mas pode se preparar para levar alguns sustos durante a apresentação. Sons, luzes e formas são construídas para que você tenha algumas surpresas.

3. Ansiedade

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Da espera para entrar na estrutura até o que virá após cada cena, a ansiedade é companheira constante durante o espetáculo.

4. Tristeza 

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Com o decorrer do espetáculo e da história, alguns momentos doloridos fazem até os mais durões lacrimejarem.

5. Acolhimento

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Abraços, sorrisos, carinhos e conversas. A intensidade de “Psico/Embutidos” se dá também para a bondade. Quem estiver disposto vai com certeza sair renovado.

6. Nojo

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Não vamos estragar a surpresa, mas em alguns momentos pode rolar uma certa repulsa.

7. Aceitação

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Seja para o bem ou para o mal, em dado momento você passa a aceitar tudo que está acontecendo naquele espaço e – literalmente – entra em cena. A partir daí tudo fica melhor.

8. Exaustão

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O espetáculo é super interativo e o cansaço é mais que físico: é da reflexão e de todos os sentimentos que transbordam da surpreendente trama.

Confira a crítica aqui.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

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[Crítica] Mortos sem sepultura https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/mortos-sem-sepultura/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/mortos-sem-sepultura/#respond Sun, 11 Sep 2016 21:45:03 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1751 29050381585_40b81b5fea_bPor Welington Andrade

“Um dia conversarei com os meus mortos
E todos os que morri (os muitos eus que eu fui)
reunidos inquietos sôfregos cada qual com um meu rosto na mão
me contarão (sua) a minha história”.

Cassiano Ricardo

Em Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido – gastronomiaescénica, a companhia mexicana Vaca 35 Teatro En Grupo, dirigida por Damián Cervantes, trabalha com três dos elementos dramatúrgico-cênicos que aos poucos vêm sendo incorporados à dinâmica teatral contemporânea, e que, talvez por isso, mereçam análise e reflexão mais profundas do que seria possível escrutinar no presente texto. Inicialmente, trata-se de um tipo de experiência estética que estabelece com a culinária uma estreita ligação: atores surgem no palco reunindo ingredientes a serem utilizados em uma refeição, que, preparada em tempo real – coincidente com a duração do espetáculo –, será servida à plateia durante a sessão ou ao final desta. Além disso, atrelados à atividade de cocção dos alimentos, e estabelecendo com ela uma ligação de íntima necessidade, irrompem aqui e ali depoimentos pessoais dos intérpretes, por meio dos quais cada um deles é convidado ao exercício da memória e da introspecção. Por fim, uma espessa massa de informações históricas, ligadas direta ou indiretamente a questões atuais, é evocada em cena, convertendo o espetáculo em uma espécie de ato cultural de clara manifestação política. (Os recém-estreados em São Paulo O avesso do claustro, da Cia. do Tijolo – que integra a programação deste Mirada 2016 –, e Nós, do Grupo Galpão, lidam com a mesma matéria descrita aqui).

A proposta é sedutora por si só, mas pode soar puro maneirismo se não for realizada com aquela dose de equilíbrio bastante difícil de mensurar. Tal risco não correm nem os trabalhos aludidos ao final do parágrafo anterior, tampouco o espetáculo do grupo Vaca 35. A primeira coisa que chama a atenção em Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido é o seu caráter de dilatada espontaneidade. Chega-se a duvidar de que aquilo a que se assiste seja de fato teatro. (Há muitos modos de matar o teatro dramático – historicamente naturalizado a ponto de ser tratado, na esfera da convenção, como o único possível – e a performatividade [um dos conceitos mais complexos do exercício das teatralidades contemporâneas], a festa e o ritual estão entre eles). Pois bem, a primeira qualidade da experiência da companhia mexicana é ajudar a derruir certa ideia fossilizada de teatro, que ainda encanta, sim, boa parte do público nos dias de hoje, mas que também exerce sobre ele incontestável tirania. A performatividade encarnada pelos integrantes do Vaca 35 está relacionada sobretudo à noção de festa realizada em torno dos prazeres da mesa e em homenagem aos mortos (cujos traços estão indelevelmente enraizados na cultura mexicana) – metáfora que, no trabalho, se desdobra em um expressivo conjunto de signos teatrais, metateatrais e extrateatrais.

Logo após adentramos o belíssimo espaço da Casa da Frontaria Azulejada (cuja dimensão arquitetônica e histórica confere à experiência a que iremos nos expor um caráter memorialístico todo especial) e sermos recepcionados discreta, mas simpaticamente pelos atores, estes amontoam seus corpos de modo desconjuntado, e bastante desconfortável até, por cima da mesa central presente em cena e começam a proferir uma série de ditos escatológicos, repetidos à exaustão. O procedimento, que pode incomodar os mais sensíveis, dado o nível de grossura das coisas faladas em tom de pura diversão, nada mais faz do que chamar a atenção para o revés da comida, que são os fluidos corporais, os detritos e as fezes. O mecanismo narrativo da inversão paródica, conforme nos lembra Mikhail Bakhtin, em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, está justamente calcado na dualidade e no jogo, que leva à experiência da alternância e da renovação, caracterizadas, a partir da observação dos festejos carnavalescos, “pela lógica original das coisas ‘ao avesso’, ‘ao contrário’, das permutações constantes do alto e do baixo (‘a roda’), da face e do traseiro, e pelas diversas formas de paródias, travestis, degradações, profanações, coroamentos e destronamentos bufões. A segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa forma como paródia da vida ordinária, como um ‘mundo ao revés’”.  Assim, somos convidados logo de início a reverter certa noção enlevada de comida – fetichizada de tal maneira nos dias que correm a ponto de servir, por exemplo, ao sem-número de programas culinários que tomaram de assalto a programação televisiva mundo afora – e a pensar nela, sob a ótica do espetáculo, a partir das ideias de morte e finitude. Pura escatologia, enfim.

O mote escatológico, rapidamente ficamos sabendo, costura todo o espetáculo e dá sustentação aos jogos de alternância de sentido que serão propostos. No plano microscópico, por exemplo, o Diabo é invocado, mas sua presença é compensada pela recitação do Pai Nosso. Já no âmbito da estrutura dramatúrgica maior, o gregarismo, a solidariedade e o sentimento de união que irmanam aqueles seis atores em cena, ladeados por um músico a que tudo assiste e que tudo pontua com sua bela voz e seu enervado violão flamenco, são rompidos em dois momentos especiais: primeiramente, quando todos se deixam possuir por forças delirantes e dionisíacas; depois, quando um desentendimento geral começa a sair do controle e faz a cena mergulhar em uma atmosfera de brutalidade e violência incontidas, desconfortáveis, lancinantes.

Embora difíceis de digerir (o trocadilho aqui é incontornável) pela imagem que encarnam, tais momentos certamente não são os mais perturbadores do trabalho – uma vez estarem calcados em certo exercício de histrionismo e exasperação até certo ponto controlado. A longa enunciação de uma série de atrocidades cometidas em nível global soa como um ingrediente muito menos palatável e contrasta fortemente com a delicadeza que seria o ato de cozinhar. Seria, porque, para os integrantes do Vaca 35, a comida que está sendo preparada – eis aqui uma vigorosa linha de força da empreitada a que eles se lançam sem amarras – precisa admitir em sua cocção não somente os afetos experimentados, mas também os ódios destilados; não somente as memórias pessoais mais indeléveis, mas também os registros de indignação mais inquietantes por terem caído em sombrio esquecimento; não somente temperos e condimentos, mas também suores e salivas. A base de cada prato que será servido ao final é uma papa espessa e grossa, que, embora esteja “no centro de uma mesma e estranha mesa”, funciona como uma espécie de antídoto do pote até aqui de mágoa preparado pela Joana de Gota d’água, porque, ao contrário de envenenar e aniquilar os inimigos, haverá tal mistura de estabelecer laços de identificação, pertencimento e amizade.

Todas as histórias pessoais contadas por esses atores-cozinheiros constituem na verdade uma única e entrelaçada narrativa de origem. Despertam-se por meio delas alguns tantos mortos queridos e outros entes familiares nem tão estimados assim, que, por força da experiência de transfiguração que somente a morte é capaz de proporcionar, readquirem novo estatuto simbólico na mitologia pessoal de cada intérprete. Avôs e avós, pais e mães, tios e tias são evocados em cena e ressignificados pela via de uma dolorosa alegria. A difícil, mas, mesmo assim, alegria de que fala Clarice Lispector. Desse modo, além de saliva e suor, muitas lágrimas também se misturam aos ingredientes dos pratos que estão sendo preparados. O recurso é previsível, mas movido por uma aura de latinidade contra a qual é muito difícil opor resistência. O barroquismo que une mexicanos, espanhóis e brasileiros (há um mineiro em cena, representando os conterrâneos de sua nação que formam grande parte do público) é aqui expresso pelas lágrimas vertidas a partir da evocação das cenas de origem. Que pertencem não somente à trajetória dos atores, mas à nossa própria história também.

Cuando todos pensaban que habíamos desaparecido investe em um registro de genuidade que pode passar por banal, mas que precisa ser entendido em contexto mais amplo. Quanto tudo é representação, super-representação e hipertrofia do espetáculo, cozinhar, contar histórias e compartilhar certa indignação geral podem fazer a diferença. Talvez ninguém aguente mais um cantor obscuro em um barzinho qualquer espraiado de norte a sul do Brasil dar início à mil vezes cantada Flor de lis. Mas quando a hoje palidamente bela canção de Djavan reaparece na execução da voz e de um violão hispânicos, o pálido se converte em singular. Pela via da comicidade e do afeto. Ao teatro hoje em dia talvez caiba também tratar desse tipo de beleza.

*Welington Andrade é doutor em literatura brasileira pela USP, na área de dramaturgia. É professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero desde 1997, crítico de teatro da revista Cult e autor de um dos capítulos da História do teatro brasileiro: do modernismo às tendências contemporâneas (Editora Perspectiva/Edições Sesc-SP, 2013).

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[Crítica] Pequena torre de Babel https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/pequena-torre-de-babel/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/pequena-torre-de-babel/#comments Sun, 11 Sep 2016 15:26:19 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1639 Por Ivana Moura
Do blog Satisfeita, Yolanda?

Quantas metáforas cabem no espetáculo Psico/Embutidos, Carnicería Escénica, da Compañía Titular de Teatro de la Universidad Veracruzana, do México? Muitas, com certeza. E é imprescindível disposição do público para jogar-se no açougue cênico do mexicano Richard Viqueira. É um teatro de risco. Mas antes de fazer essa imersão física e sensorial na instalação de oito metros de altura, que replica o sistema digestivo – e ocupa a área de convivência do Sesc Santos, durante o MIRADA} Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos – os participantes recebem algumas instruções.

A montagem é itinerante, inclui subidas em andaimes de diferentes níveis, descidas em tobogãs, espaços reduzidos e os que toparem devem deixar seus pertences com um responsável da organização (celulares, chaves, carteiras, mochilas, bolsas, etc). Um dos avisos diz que se entrar não dá para voltar atrás. Uma desistência no meio do jogo poderia atrapalhar toda a engrenagem, criar dificuldades para todos os espectadores/ atuadores.

É uma viagem. E como toda jornada, depende do viajante. A potência do experimento é compartilhada pelo desempenho do espectador, sua capacidade de escuta, de interagir, de propor, de elaborar e reelaborar, de entrar na partida, de construir subjetividades durante o percurso.

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Em cada sessão, a montagem recebe 40 pessoas para fazer o trajeto. Outras 40 podem assistir à função como observadores externos, mas sem ter acesso aos diálogos, à temperatura e pressão, a troca de afetos nos patamares. Em cada compartimento, de dois metros quadrados, um ator se relaciona com um espectador, por vez. E expõe sua história, em dois ou três minutos de duração. E repete a essência da história para o próximo, e mais outro, mas algo muda. O viajante dessa experiência passa por 20 estações, e escuta 19 micro-histórias.

Fora do horário das sessões, a instalação se abre para visitação como um esqueleto cenográfico que simula o aparelho digestivo humano.

O elenco tem entre 23 a 82 anos. Eles estão nus. A idade de suas carnes está carimbada na pele.

A fábula investe numa salsicha que busca dar um enterro decente para sua mãe, enlatá-la. Mas encontra obstáculos.

A resistência ou oposição vêm de Salsichas pornográficos, salsichas nazistas, Carne em campos de concentração, Mortadelas que deslizam no tempo, Padres pedófilos, Almôndegas gurus tibetanos, Pepperonis e Butifarras que se dizem ginecologistas ou proctologistas.

Somos todos perecíveis

Somos nós também embutidos e digeridos pelo sistema?

Richard Viqueira canibaliza as questões históricas, sociais, políticas e econômicas contemporâneas mostrando que a arte politicamente engajada traça outros escrutínios e exige sacrifícios. Ou no mínimo esforços. Para elaborar respostas, o espectador passa pelas estações e corre os riscos físicos e emocionais. Essa experiência incômoda de subir e descer escadas estreitas, deslizar pelos tobogãs/ simulacros do aparelho digestivo, atordoa. Não há lugar para a passividade no teatro desse mexicano.

Com pulso firme em sua ambição poética, Viqueira rompe com a cena tradicional e traça linhas de agressividade para criticar o presente. Em Psico/Embutidos, Carnicería Escénica, o diretor/dramaturgo forma um time com Jesús Hernández na Cenografia e Iluminação, e Luis Mario Moncada Gil na Direção Artística.

Os corpos encaram a passagem do tempo. Existe uma intimidade em cada situação. Da boca, passando pela traqueia, estômago, intestino, até ser expelida pelo ânus, a criatura andante se depara com momentos hiper-realistas, muitos esdrúxulos, em que somos confrontados, a partir da provocação, com regiões estranhas.

Qual o preço da nossa carne? Pergunta a peça sem piedade. Seres carnívoros, nossa antropofagia é revirada. Os apetites do corpo, as exigências do corpo, as hierarquias dessa carne no mercado em fluidas cotações, que sobem e descem vinculadas a um complexo de fatores do consumo do mundo capitalista.

Cotados, valorizados, em decadência, os corpos humanos enfrentam o tempo inexorável. Que deixam suas marcas, retira peças, inflama órgãos, decompõe outros, rouba o viço.

No espetáculo há hierarquia para tudo, entre Salames e Salsichas. Uns são mais extrovertidos. Outros precisam receber algo, ao menos atenção. Nesse território afetivo, a proposta centrifuga de novo, existimos, a que se destina? Comer, lutar por poder, ganhar, perder, copular, rejeitar, gerar, evacuar, morrer sem propósito transcendental? Mais perguntas.

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Esse diretor parece uma máquina de fazer perguntas.

O trabalho interativo dura cerca de 140 minutos. Não é nem um pouco digestivo. E se, lá no começo, alguém pensou que seria uma experiência sensorial agradável, prazerosa, deve ter se sentido, como eu, invadido, envolvido, provocado para não ficar em nenhum momento numa posição passiva. Ao ser engolida pelo mecanismo da instalação sou obrigada a sentir na carne os dispositivos da nossa sociedade. Que devora e defeca; que direciona meus apetites para seus interesses. Da religião como interdito, do consumo como excesso.

Os atores de Richard Viqueira somam 19, o 20º morreu em julho ou agosto, mas seu box funciona como uma homenagem, em que constam fotografias dele atuando, um certidão de óbito e informes. Há irregularidades ou particularidades na construção dessas dramaturgias, desses microcosmos e na capacidade de convencimento de cada intérprete. Uns nos tocam, abraçam. Há cheiro de suor e sexo. A vida tem seus odores, e os desejos não são assépticos como alguns querem crer.

É uma ironia à sociedade de consumo. Ao materialismo. Sem vida após a morte, o ser humano é o que? Busquem suas respostas… Ao pé do ouvido, um a um narra fragmentos que formam um mosaico. Antes de começar, entre cenas os atores promovem uma espécie de ritual xamânico, uma cerimônia, em que gritam, batem palmas, tiram ritmo do corpo. E depois submete o espectador ao jogo de truques de memória.

Nossa contemporaneidade se vê contemplada naqueles encontros íntimos, com seus sujeitos desconhecidos a repartir privacidades e espelhar o que lhes inquietam como as questões de família, gênero, justiça, identidade, terrorismo, loucura.

Muitos dos personagens perguntam coisas. Na maioria das vezes a idade da carne, o que eu fazia (profissão) e o guru pediu até para eu cantar. Por sorte, minha, o tempo acabou antes de entoar a primeira nota.

Na esteira de tornar o espectador protagonista, alguns convidaram para o ato de despir-se. Eu não topei. Não exatamente por pudor. Vi poucos sem camisa. É uma das aspirações do diretor de incentivar a renúncia da passividade social e estética do espectador dentro da própria função.

Um dos expoentes do teatro contemporâneo do México, Richard Viqueira estica a corda para ampliar limites. Em Psico/Embutidos, Carnicería Escénica ele problematiza a finitude para celebrar a vida. Nada é muito óbvio. É como diz o nono item do seu Decálogo do Teatro de Risco: “Todos perigam no teatro porque escolhem coexistir entre estranhos”.

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Teatro Digestivo https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/teatro-digestivo/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/teatro-digestivo/#respond Fri, 09 Sep 2016 22:15:09 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1472 psico-3Por Mariana Krauss –  Sesc Taubaté

Após assistir uma peça de teatro, pode ser necessário um período para a digestão daquela experiência. No caso de “Psico/Embutidos – Carniceria Escénica”, as lógicas se invertem, e o público é simbolicamente engolido, digerido e excretado pela estrutura cênica construída especialmente para a peça.

O roteiro é representado por embutidos personificados. Os alimentos produzidos com o preenchimento de tripas orgânicas ou sintéticas são relacionados a diferentes personagens da sociedade.  E não pense que tudo o que está no açougue tem a mesma importância. Entre salames e salsichas, há hierarquia para tudo. Quantas metáforas cabem no espetáculo?  Somos nós também embutidos e digeridos pelo sistema?

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Psico/Embutidos é uma experiência física. Subir e descer as escadas estreitas, escorregar pelos tobogãs que simulam os caminhos de um aparelho digestivo, tudo exige um esforço em que não há espaço para passividade. Em Psico/Embutidos não há plateia. Em cada nicho, um ator fala diretamente com um expectador, numa cena particular.

Na travessia dos patamares, há também a metáfora para a passagem do tempo. No topo da estrutura, a mais jovem atriz da companhia protagoniza a cena, e progressivamente as idades vão aumentando, em uma alusão à passagem do tempo.

O espetáculo, com ingressos esgotados para todas as sessões, desdobra-se em uma instalação audiovisual, em que trechos das cenas roteirizadas são exibidas em alguns dos patamares, proporcionando uma nova experiência a partir conceito da peça.

A Organización Teatral de la Universidad Veracruzana é a mais antiga companhia de teatro do México, e é um dos expoentes do teatro contemporâneo do país. Psico/Embutidos é assinada  por Richard Viquera, diretor eleito pela revista mexicana Donde Ir como o Homem do Teatro da década 2001-2010.

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