literatura – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Quebra de pactos no país dos Eulálios https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-quebra-de-pactos-no-pais-dos-eulalios/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-quebra-de-pactos-no-pais-dos-eulalios/#respond Sun, 18 Sep 2016 00:28:06 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2730 Por Ivana Moura, do Blog Satisfeita, Yolanda

O som de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, ocupa a cena propondo emoções contraditórias: de um ufanismo arraigado e de um profundo desprezo por tudo que está instalado no país. A cada verso as camadas de pele são arrancadas à força, numa ação brutal de descolar carnes da formação brasileira; dando um jeito de contrabandear parentescos e fazer sumir irmandades. Essa afecção de identidades como linguagem só me alcançou ao final da sessão da estreia nacional do espetáculo Leite derramado, versão cênica do romance de Chico Buarque de Hollanda (publicado em 2009), adaptado e dirigido por Roberto Alvim. O lançamento ocorreu na quinta-feira, 15 de setembro, no MIRADA, Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, em São Paulo.

28415160033_9a2a158c5d_c

Eulálio d’Assumpção é um velho decrépito, que ostenta no corpo, na voz e nos gestos ressonâncias do antepassado aristocrata e da decadência dos descendentes – avô latifundiário escravagista e político do Império; pai senador corrupto e suspeito comerciante de armas da República; neto guerrilheiro comunista; bisneto negro e garoto de programa; tataraneto traficante e branco de olhos azuis.

O oligarca centenário falido enverga o ocaso de sua linhagem de filhos únicos, o fim da fileira de excessos, ele mesmo derramado no corredor de um leito de hospital público.

Antes mesmo do protagonista soltar o verbo do alto do pedestal de quem sempre fez parte da elite, o espetáculo de Alvim faz uma síntese dos últimos séculos do Brasil numa pantomima ao som de Ary Barroso. Depois, a trilha sonora assinada pelo filósofo Vladimir Safatle segue a reger a partida que transborda e esvazia, de uma ficção que se alimenta da realidade.

Desmoronam as fronteiras do mundo interno do personagem – com a memória de seu clã, suas crenças e posições políticas de superioridade, imaginação fértil – e o externo, o coletivo.

Nas dobras das palavras, manobras. As mesmas frases assumem funções tão diversas para defender, atacar e conciliar. Que potente projeção de situações corriqueiras e esdrúxulas são pescadas do cotidiano vulgar e esfregadas na cara do público, mas que no palco arma-se de poética.

Esse personagem gagá é defendido de forma brilhante pela atriz Juliana Galdino, que sussurra e grita as frases desse Eulálio que usa morfina para ficar de pé, internado em algum bairro do Rio de Janeiro. Em falas que vão do coloquial ao empolado. Intérprete que voa com a prepotente figura ao maltratar enfermeiras e médicos plantonistas, como sempre fez com seus empregados; que realinha seu discurso para construir uma narrativa que o conforte ou aplaque seus instintos. Galdino, mais uma vez para ser aplaudida de pé.

O elenco afinado, que constrói cenas de beleza impactante é formado por Helena Ignez, Renato Forner, Taynã Marquezone, Caio Rocha, Leandro Grance e Diego Machado.

 

Intérpretes do Brasil

Poderosíssimas imagens são erguidas como quadros ferozes da trajetória do país em bancarrota.  E desses mapas são convocados os grandes intérpretes do Brasil: Gilberto Freyre, de Casa Grande & Senzala; Caio Prado Jr., de Formação do Brasil Contemporâneo e o pai de Chico Buarque, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, de Raízes do Brasil. Mas o diretor intima outras composições distorcidas pelos donos das vozes das comunicações, numa polifonia de discursos recalcados.

As alegorias chegam em quadros compostos na cena ou sugeridos para a imaginação do espectador a partir do comando do protagonista. Como o das meninas que acocorados feitos sapos tentavam pegar as moedas jogadas por Eulálio. Ou dos encontros de negócios com contrabandistas.

Grita o racismo da elite escravocrata brasileira, marcada pela promiscuidade com suas vítimas. As cenas possantes investem na escala ampliada da posição dos quatrocentões da casa grande, com suas empregadinhas a empurrar carinhos de bebê, em manifestações públicas por uma pseudo honradez, dignidade e decoro.

Em falas embaralhadas, o protagonista destrincha sua árvore genealógica, exaltando sua juventude de macho ou exorta fragilidades do seu amor e casamento com Matilde, a sétima filha da família de um político, que ostenta “cheiro de corpo”.

O velho decrépito, o ancião que praticou muitas barbáries, está nas últimas, mas essa situação atual não faz dele melhor em nada. Como os vilões da história da humanidade, ele tem que ser encarado pelo conjunto da obra, por seus feitos. Eulálio se torna metáfora de um país que aloja em suas páginas a Velha República, a Quebra da Bolsa de 1929, o Governo Vargas, a Ditadura Militar, e agora a justiça que segue a punir “sem prova, com convicção”

As dúvidas e suspenses da cena desse Leite derramado, labirinto que Alvim ergueu em fluxos de memórias e devaneios, tem na espectralidade de luz baixa (mas nem tanto quanto em outros trabalhos) a trama de um exército fantasmagórico em zonas crepusculares.

Caixa de Pandora da realidade brasileira. O jogo não é fácil. A plasticidade desses corpos em movimento clareia a escuridão, com cores e discurso coreográfico. O tempo é explodido com auxílio da música de Safatle. A narrativa segue sinuosa, delirante. Um espetáculo visceral, para falar do Brasil de hoje, sem concessões.

Registros da estreia

A montagem Leite Derramado foi atingida por problemas técnicos de iluminação na noite de estreia no Teatro do Sesc Santos, em 15 de setembro de 2016. A apresentação atrasou em uma hora. Enquanto os espectadores aguardavam buliçosos no saguão, a equipe tentava resolver a afinação da luz. Logo esse elemento que e tão caro à Cia. Club Noir, de Roberto Alvim e Juliana Galdino.

Elenco tenso, plateia cansada pela espera. Detalhes que podem interferir na recepção. O elenco chorou ao final da apresentação. O público aplaudiu com entusiasmo.

Nem sempre os deuses do teatro permitem que as coisas saiam de acordo com o que os artistas planejam. Mas, eles, os deuses, reconhecem os seus.

 

Ivana Moura é jornalista, crítica cultural, pesquisadora de teatro, atriz e dramaturga. Mestra em Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde 2011 edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda? (www.satisfeitayolanda.com.br), do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015), Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília (2014 e 2015) e  Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-quebra-de-pactos-no-pais-dos-eulalios/feed/ 0
8 peças baseadas em livros que você pode assistir no Mirada 2016 https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/8-pecas-baseadas-em-livros-que-voce-pode-assistir-no-mirada-2016/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/8-pecas-baseadas-em-livros-que-voce-pode-assistir-no-mirada-2016/#respond Mon, 12 Sep 2016 21:08:57 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1844 Por Renan Abreu – Sesc Consolação

1) A Tragédia Latino-Americana e a Comédia Latino-Americana Segunda Parte – A Comédia Latino-Americana

01_tragedia

Para realizar este “díptico tragicômico”, pode-se dizer que o diretor Felipe Hirsch se debruçou completamente sobre uma série de autores na literatura latino-americana contemporânea, como o romance Três Tristes Tigres, lançado em 1988 pelo escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, um emaranhado de histórias que apresentam vários tipos da noite em Cuba; e A Nova Califórnia, do brasileiro Lima Barreto, um conto que faz paródia com a corrida ao ouro americana. Mas a lista não para por aí, são muitos os autores e livros que são base para a peça:  Argentina (J.P. Zooey, Pablo Katchadjian), Brasil (Sousândrade), Chile (María Luisa Bombal), Colômbia (Andrés Caicedo), Equador (Pablo Palacio), México (Juan Villoro) e Uruguai (Héctor Galmés e Horacio Quiroga).

2) Blanche

02_tragedia

Antunes Filho propôs uma releitura à clássica peça Um bonde chamado desejo do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams. O texto não foi concebido para se transformar num livro, mas uma curiosidade: quatro dias antes de estrear na Broadway, em 30 de novembro de 1947, Tennessee publicou um ensaio chamado “Um bonde chamado sucesso” no New York Times, em que ele fala sobre o papel do artista na sociedade. Tudo a ver com os questionamentos de Antunes.

3) O ano em que sonhamos perigosamente

03_oano

Os pernambucanos do Grupo Magiluth realizam uma ação performática que reproduz a maneira como são conduzidas as manifestações de resistência como foi o Occupy Wall Street, a Primavera Árabe e Revolução Laranja. Para isso, contaram com o apoio de textos do sociólogo esloveno Slavoj Žižek e do filósofo francês Gilles Deleuze.

4) La contadora de peliculas

04_la-contadora-de-peliculas

Quando uma família se vê sem condições de ir ao cinema, a solução é escolher um dos filhos para assistir à sessão e contá-la aos demais. É assim que Maria Margarita se torna “A contadora de filmes”, que foi baseada no livro homônimo do escritor chileno Hernán Rivera Letelier, adaptado pelo grupo Teatrocinema no Mirada. A inspiração do escritor para a história não foge muito da sua realidade pessoal, já que ele passou a infância na região das minas de salitre no deserto de Atacama, onde cinema era luxo, é claro.

5) O avesso do Claustro

05_oavessodoclaustr2o

Ao retratar um dos personagens mais emblemáticos da história da ditadura civil-militar no Brasil, o bispo Dom Helder Câmara, a Cia. do Tijolo se inspirou na lira poética do religioso cearense, cujos poemas são recitados em praticamente todo espetáculo. Dom Helder também lia suas crônicas no rádio na época da repressão. Segundo a jornalista Tereza Rozowykwiat, o arcebispo leu cerca de 2.500 crônicas à frente da Rádio Olinda, material também utilizado no espetáculo.

6) Leite Derramado

06_leite-derramado

Publicado em 2009, Leite Derramado reproduz um monólogo de um homem muito velho, que está no leito de um hospital. O personagem dirige sua fala à filha, às enfermeiras e a quem mais quiser ou não ouvir. Há uma enorme expectativa para a adaptação do quarto romance de Chico Buarque para o teatro. O livro, que venceu o Prêmio Jabuti em 2010, foi transformado em diálogo por Roberto Alvim, e emocionou o próprio Chico.

7) No daré hijos, daré versos

07_nodare

A peça da dramaturga uruguaia Marianella Morena intercala versos de prosa e canções a partir da vida e obra da poeta Delmira Agustini (1886-1914), que morreu assassinada a tiros pelo ex-marido. A obra da escritora se caracteriza por uma forte carga de erotismo. Seus poemas seguem a linha modernista e estão cheios de feminismo. A encenação é composta de três atos, e vai do realismo ao hiper-realismo.

8) Rebú

08_rebu

Aqui temos o texto de um autor brasileiro interpretado por um grupo colombiano. O Teatro Del Embuste & Espacio Odeón adaptou a tragicomédia do carioca Jô Bilac, em que o diretor e adaptador Matías Maldonado define sua versão como “livre e espontânea”.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

]]>
https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/8-pecas-baseadas-em-livros-que-voce-pode-assistir-no-mirada-2016/feed/ 0