leonardo noda – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Potência política do erotismo https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/potencia-politica-do-erotismo/ Mon, 19 Sep 2016 12:44:28 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2917 17102015_ANDALUCIA,CADIZ_30 Festival Iberoamericano de teatro de Cádiz_Victor López

17102015_ANDALUCIA,CADIZ_30 Festival Iberoamericano de teatro de Cádiz_Victor López

“Yo lo soñé impetuoso, formidable y ardiente;
hablaba el impreciso lenguaje del torrente;
era un mar desbordado de locura y de fuego,
rodando por la vida como un eterno riego”.
Delmira Agustini

por Ivana Moura, do Blog Satisfeita, Yolanda

O amor para a poeta uruguaia Delmira Agustini é um território fértil, povoado por corporeidades, desejos e êxtases. Mas também um campo de revolução pelos direitos femininos e liberdade da mulher. Essa figura à frente de seu tempo é a protagonista da montagem No daré hijos, daré versos, da companhia uruguaia Teatro La Morena, exibida no MIRADA- Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, em São Paulo. Mais que uma biografia de Delmira Agustini (1886-1914), que morreu assassinada por Enrique Job Reyes, seu ex-marido, a encenação investe no caráter político da vida da artista, nas diferentes versões do amor – e suas impossibilidades – sem adotar maniqueísmos e na investigação sobre o teatro, a partir do atrito entre real e ficcional.

A peça está dividida em três atos, três pontos de vista, em 75 minutos sem intervalo. Na primeira mirada vemos seis corpos entrelaçados, que ocupam uma cama que está no centro do palco. Percebemos com mais clareza que são seis quando o espetáculo inicia e eles começam a se movimentar. Diferentes faces de um hexaedro. Agustini e Reyes, a poeta e seu companheiro, um comerciante de gado, multiplicados por três. Um começo fotográfico.

O metateatro explora o ambiente familiar, patriarcal e falso moralista dos parentes da escritora na segunda parte. O terceiro ato salta para o século 21, quando uma casa de leilão apresenta um lote com o material de Delmira: revólver do crime, uma gravação confessional e a correspondência inédita.

Na primeira parte, eles estão em roupa de dormir e o erotismo exala da coreografia dos corpos, principalmente das atrizes que traduzem a fogosidade da poeta. Esse ato, chamado de “Da morte para a vida”, explora o embate das três Delmiras e dos três maridos. Uma bala entrando pelo quarto depois do tiro levando à multiplicação da protagonista. Ela assassinada aos 27 anos, um mês depois de se divorciar. Ficaram casados por apenas 45 dias, entre agosto e setembro de 1913.  

Uma das primeiras hispo-americanas a escrever poesia erótica, a personagem arde de vida e desperta posturas conservadoras nos homens, que tentam fugir dela, enquanto a moça os acusa de carregarem “gato morto”. Vale contextualizar: no início do século 20, a castidade é dever feminino, as mulheres honradas não podiam ter relações sexuais antes do casamento. Também não estavam autorizadas a expressar seus desejos. Dessa perspectiva, o erotismo da poesia de Delmira Agustini ganha potencial político.

A encenação aborda a artista/revolucionária pelas entradas da obra da poeta, do que se sabe de sua vida e da criação imaginária do grupo teatral sobre os momentos mais importantes da personagem. Pelas escolhas textuais e de direção de Marianella Morena parecem três peças distintas.

O elenco é formado por Lucía Trentini, Leonardo Noda, Laura Baez, Agustín Urrutia, Mané Pérez e Domingo Milesi.  A música de Lucía Trentini e Nicolás Rodriguez Mieres desempenha papel importante na história, a dar grandezas às situações. A cenografia e figurinos são assinados por Johanna Bresque. O desenho de luz é de Claudia Sánchez.

O cenário é composto, no primeiro momento, por um guarda-roupas ao fundo, criado-mudo à esquerda, um sofá à direita; que são reaproveitados nas outras ações.  Com trajes de dormir no primeiro ato e figurinos que expõem o teatro enquanto mecanismo no segundo.

A caricatura, o grotesco, os jogos de construção e reconstrução de gestos inundam o segundo ato com humor, quando os atores defendem os papeis de pai, mãe, irmão, empregada, Delmira e Reyes. A encenadora salienta o teatral na incompatibilidade idade física dos intérpretes com seus personagens. Mas também na construção do jogo de criação e nas perguntas implícitas sobre o papel do teatro, ao recorrer aos clichês de representação.

Na terceira parte, os atores de pé leem fragmentos de cartas, algumas dirigido ao escritor argentino Manuel Ugarte (que além de ser testemunha do casamento de Delmira, era seu amante), uma gravação e a suposta arma do crime. Eles estão em um leilão. E dessa vez a encenação faz uma crítica a desmemória, ação em que faz desaparecer objetos, relíquias, que são espalhadas e guardadas por curiosos ou colecionadores.

No daré hijos, daré versos utiliza diferentes recursos e técnicas. Do realismo ao hiper-realismo, borrando o real, a história e a ficção, questionando a premissa de verdade.  Trabalha com as dobras do teatro, as pregas como possibilidades de projeção interpretativa ao infinito.
*Ivana Moura é jornalista, crítica cultural, pesquisadora de teatro, atriz e dramaturga. Mestra em Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde 2011 edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda?, do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015), Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília (2014 e 2015) e  Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

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