La Congregación Teatro – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 Lado a lado com um psicopata https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/lado-a-lado-com-um-psicopata/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/lado-a-lado-com-um-psicopata/#respond Sun, 18 Sep 2016 19:05:20 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2841 Por Julia Parpulov/Sesc Vila Mariana

Ao entrar na sala do espetáculo, uma mesa central para umas vinte pessoas, com canecas sobre ela, convidavam a uma experiência mais próxima da história de Camargo, como era conhecido Daniel Camargo Barbosa, um serial killer psicopata, nascido na Colômbia, que estuprou e assassinou mais de 150 meninas durante os anos 1970 e 1980. Eu logo sentei fora da mesa, numa das cadeiras da plateia, pois não queria ter essa aproximação, não pelo medo de interação, mas pela história mesmo. Depois pensei melhor, vi as pessoas tomando aqueles lugares “especiais” e resolvi arriscar para viver aquilo de perto.

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As luzes eram bem baixas antes de começar e nós nos entreolhávamos na mesa. “Será que vão servir um café, chocolate quente?”, brincou uma moça ao meu lado. Respondi cinicamente que nos dariam sangue para beber, ou pelo menos algum líquido vermelho que o imitasse, pensando no tema da história. Dito e feito. No início da peça uma das personagens serve um líquido que parece chá, mas ao cheirá-lo não o reconheci como tal, então não bebi. Para mim pareceu um cheiro meio ferroso…

Os atores gravitavam ao redor da mesa, te colocando na cena como visitantes na casa da família do protagonista. O péssimo relacionamento dele quando criança com a madrasta, que o castigava vestindo-o e tratando-o como uma menina, te deixava constrangido naquela situação, como ficaria diante de uma briga de família em que não pode se intrometer.

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A peça seguiu na fase adulta de Camargo, após um casamento falido, mas já com outra noiva, que ele descobre não ser mais “pura”. É o ponto inicial da trajetória sinistra deste homem, que estuprava e matava mulheres, de 8 a 20 anos, por considerá-las virgens. Com muita força, agressividade, entrega e suor, os atores encenavam as facetas de como o psicopata enganava suas vítimas. No cenário, as fotos de algumas meninas que foram violadas te faziam se colocar no lugar delas, assistindo como tudo aconteceu. Somado a cenas intensas, não havia como escapar das lágrimas, pois sabia-se o tempo todo que aquilo havia acontecido de fato.

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Conhecer de perto a história deste homem não justifica o que ele fez, mas a companhia colombiana La Congregación Teatro usou a arte como uma forma de protesto e informação, não deixando essa terrível história cair no esquecimento.

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[Crítica] Realidade com tintas ficcionais https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-realidade-com-tintas-ficcionais/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-realidade-com-tintas-ficcionais/#respond Sun, 18 Sep 2016 19:01:08 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2892 Por Daniel Schenker

Autor do texto, diretor da montagem e integrante do elenco, Johan Velandia contrasta, em Camargo, procedimentos documentais com a quebra desse registro. Na encenação da companhia colombiana La Congregación Teatro, Velandia traz à tona, dentro de uma estrutura ficcional, depoimentos de Daniel Camargo Barbosa (1930-1994), responsável pelo estupro e morte de 157 meninas virgens na Colômbia, no Brasil e, principalmente, no Equador, e o desdobramento do caso por meio das investigações.

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Nas paredes do cenário, composto basicamente por uma grande mesa, fotos de Camargo e, ao que parece, de algumas de suas vítimas. A confrontação com o real é relativizada pelo desenho propositadamente exagerado dos personagens dentro da dramaturgia, característica realçada nos desempenhos expandidos, acentuados, do elenco – com um pouco mais de frescor nos trabalhos das atrizes do que dos atores. A trilha sonora, nas cenas marcadas pela “fala” de Camargo, acentua a tensão de uma trama macabra repleta de reviravoltas, centrada em personagem-título retirado da realidade, portador de distúrbio originado na infância. O diretor provoca uma espécie de fricção entre a filiação a um determinado gênero (suspense), notadamente ficcional, e a concretude do documental, vertente percebida, no senso comum, como transmissora imparcial da verdade. Uma impressão, porém, que não condiz com a prática porque a captação do real está inevitavelmente atravessada pelas subjetividades do artista e do entrevistado (não por acaso, considerado como personagem).

Em Camargo, o concreto pode não passar de delírio de personagens que vivem à margem da realidade. Ao entrarem no teatro, os espectadores recebem um papel: o de convidados de uma reunião familiar. São dispostos ao redor de uma grande mesa, onde ocasionalmente ficam os atores, enquanto que o restante da plateia se divide em duas arquibancadas localizadas nas laterais do espaço. Ao longo da apresentação, os atores destinam pequenos comentários à plateia, não só à parte que está dentro da cena como a que se encontra desvinculada da ação, nas arquibancadas. A presença dos espectadores sentados à mesa é concreta, mas relativizada a partir da sugestão de que não passam de projeções imaginárias de um fanático. A religiosidade desmedida de Camargo rende uma cena alucinatória. As referências bíblicas também são sublinhadas por meio do pão e do líquido de coloração que evoca a do vinho servidos aos espectadores.

Velandia concebe uma estrutura propositadamente repetitiva (as cenas marcadas por insistentes chamados pela entrada do protagonista, os atores servindo comida e bebida). Embaralha os acontecimentos ao invés de dispô-los em ordem cronológica convencional. Investe no oculto, em passagens que o espectador escuta, mas não vê, seja porque ocorrem em momentos de blackout, seja porque acontecem debaixo da mesa. São soluções empregadas, em especial, nas cenas de assassinatos, uma vez que, diferentemente do cinema, o teatro é uma arte em que não há como reconstituir com veracidade circunstâncias como essas diante do público.

 

Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e da revista Preview. Escreve para os sites Teatrojornal (teatrojornal.com.br) e Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. É membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio, Questão de Crítica e Reverência.

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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