hamlet – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Hamlet – é preciso dizer de novo https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/hamlet-e-preciso-dizer-de-novo/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/hamlet-e-preciso-dizer-de-novo/#respond Sat, 17 Sep 2016 00:56:42 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2272 Por Maria Eugênia de Menezes (site Teatrojornal – Leituras de Cena)

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Mais um Hamlet. E por que mais um? É verdade que cada nova versão – ou cada boa versão, ao menos – carrega em si uma leitura própria da obra tão conhecida. Também não faltam motivos para revisitar o texto mais montado de todos os tempos. E o ator Emanuel Aragão, que interpreta esse Hamlet – Processo de Revelação”, enumera diversos deles. Fala sobre o personagem como um precursor do existencialismo, de sua pioneira noção de individualidade dentro do teatro, de sua mensagem de livre arbítrio, da dificuldade de fazer escolhas. Mas nenhuma dessas razões, ele admite, resolve a questão: por que voltamos a Hamlet? Se ainda existe tanto por ser dito, por que seguir a repetir as palavras que todo mundo (ou uma parcela substancial das platéias de teatro) já escutou?

Os Irmãos Guimarães são os responsáveis pela direção desse “Processo de Revelação”. Criado em Brasília, o coletivo trafega, há mais de 20 anos, entre o teatro e as artes visuais e, continuamente, reafirma a preponderância da experiência sobre a representação. No lugar do teatro stricto sensu podem entrar outras formas de criação. Seja por meio de uma performance ou de uma instalação, o essencial é instar o público a descobrir novas possibilidades de olhar e de se relacionar com um objeto artístico.

Para concretizar tal ambição, Adriano e Fernando Guimarães já se detiveram sobre autores consagrados da literatura dramática – especialmente sobre Samuel Beckett, que tanto material lhes rendeu para montagens e investigações. Agora, voltam a Shakespeare. E o verbo voltar, neste caso, não foi utilizado para fazer referência a criações anteriores dos diretores, mas a uma imagem do bardo que a atual encenação reafirma. Como se o teatro shakespeariano se impusesse como um destino inescapável. Pode-se passar a vida a flanar por aí. Dedicar-se a investigar muitas coisas, a montar muitos autores. Mas o grande dramaturgo britânico paira sobre todos. E a hora do acerto de contas terminará por chegar.

No encontro entre esses criadores e a saga do príncipe da Dinamarca não se dá propriamente a montagem de uma peça. Espectadores irão presenciar e participar de certo ritual de dissecação. E o que devem encontrar não será propriamente a grande revelação sobre o título tão celebrado, a leitura definitiva. Mas uma sincera aproximação entre artista e personagem, entre autor e ator, entre tempos que podem coexistir ainda que separados por mais de 400 anos. Sinceridade soa como termo fora do lugar quando se está a falar de teatro. Nesse pacto de mentiras que se dá entre palco e platéia, contudo, há espaço para muitos arranjos. Naqueles mais felizes, cabe, inclusive, a verdade.

No lugar de uma encenação de Hamlet, acompanha-se a uma desconstrução, uma apresentação de questões e aspectos contidos no texto. Existe um quê de leitura comentada. Em diversas passagens, Emanuel Aragão discorre sobre as intenções e arranjos que cercam determinadas cenas e diálogos. Convida os espectadores a reagir e a participar da discussão. Há certa semelhança com o que seria a revelação de um processo de criação e ensaio. Aquele trabalho – geralmente ocultado após a obtenção da obra final  –  de se tentar compreender cada intenção, cada movimento, de encontrar a melhor tradução. Mas não é bem isso o que está em cena.  Não é só isso.

O intérprete compartilha episódios biográficos, como a morte do próprio pai. Chega a evocar situações fictícias em que as resoluções são adiadas ou levadas a cabo. Um homem que decide se matar e esmorece. Uma mulher que vai ao cemitério encontrar o túmulo da mãe que nunca chegou a conhecer. Entre essas pontas, está o seu estupor e perplexidade diante de Hamlet. Todos os personagens que o cercam serão apenas evocados – alguns, como é o caso de Ofélia, não merecem mais do que uma breve menção. Cenas, atos inteiros são negligenciados. Em contraponto, somos convidados a nos deter sobre determinadas passagens. As filigranas que poderiam vir a desvelar o tormento – e a grandeza – desse herói titubeante.

Diante da profusão de traduções disponíveis hoje, a exposição de mais uma não deveria fazer diferença. Nesse caso, faz. O ator, que também assina a dramaturgia, sublinha com a sua leitura alguns pontos capazes de transformar o espectador em seu cúmplice nessa busca.  O famoso solilóquio do “ser ou não ser” merece grifo em algumas palavras e sinais de pontuação. A indecisão entre calar as dores ou pegar em armas é examinada ponto a ponto, frase a frase.

Hamlet é magnânimo porque não sabe, porque, diante de cada situação, duvida. Seu desejo se dissolve. Suas certezas são frágeis. Os heróis, os líderes da história ocidental, construíram suas trajetórias a partir de crenças inabaláveis, persistindo na fé mesmo quando tudo e todos se impunham como obstáculos.  Hamlet é o oposto do sujeito de ação, do político, do guerreiro. É inconstante, é o poeta a perder-se em meio às inutilidades e às miudezas do mundo. Não é o grande homem, é o pequeno homem.

O horror da morte o paralisa, assim como a nós. Somos todos pequenos.  Preferimos suportar as misérias conhecidas ao mal desconhecido. E isso também já havia sido dito – e reafirmado, sublinhado – em tantas e tantas montagens que já subiram aos palcos do mundo. Mas é sempre bom ouvir de novo. Sempre bom que alguém tente dizer novamente. E falhe novamente. E falhe melhor.


Maria Eugênia de Menezes é jornalista e crítica teatral, atuou como repórter e crítica de teatro do Caderno 2, do jornal O Estado de S.Paulo, com experiência na cobertura de festivais no Brasil e no exterior. Também escreveu na Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas como o Circuito Cultural Paulista e membro do júri de prêmios como Prêmio Bravo! de Cultura, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Prêmio Governador do Estado de S.Paulo.

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Culpado ou inocente? Eis a questão. https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/culpado-ou-inocente-eis-a-questao/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/culpado-ou-inocente-eis-a-questao/#respond Tue, 13 Sep 2016 22:57:12 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1969 Por Indiara Duarte/Sesc Sorocaba e Juliana Ramos/Sesc SP

final

O palco é uma sala dentro do Paço Municipal de Santos, onde julgamentos reais aconteceram no passado. O público ocupa as cadeiras de madeira que rangem, acusando sua idade avançada. Entra o juiz e sua assistente, às 15h, do dia 12 de setembro de 2016, na Sala Princesa Isabel, é aberta a sessão de julgamento de Hamlet, acusado do homicídio de Polônio.

Até aqui a vida real nos parece um espetáculo. Há figurinos, papéis a serem interpretados, um roteiro a ser seguido. “Onde estão os atores?”, os olhares curiosos parecem perguntar. Era como se estivessem disfarçados ali, diante de nossos olhos.

Entra então a primeira testemunha da acusação, Ofélia. A jovem negra que a interpreta, Mariana Nunes, é atriz. Finalmente o público passa a entender o rumo que se traça. Mas a interpretação rapidamente nos traz de volta à realidade. O sofrimento de Ofélia está nos olhos. E nós todos, que não conhecemos Hamlet, o jovem sentado à esquerda do juiz, começamos a julgá-lo. Enquanto a promotora questiona a testemunha, descobrimos que Ofélia e Hamlet se conhecem desde criança. Que namoraram por um ano. Que desde a morte do pai dele, tem se comportado de maneira distante e agressiva. Que ela o odeia, porque matou o pai dela.

Assume a tribuna Gertrudes, mãe do acusado. Uma mãe que se sacrificou pela família, casando-se com o irmão de seu falecido marido, para garantir a renda da família. A emoção impressa em suas palavras nos leva à cena do crime, tornando-nos cúmplices do seu relato. Talvez isso ocorre pelo fato de Iléa Ferraz interpretar sua Gertrudes com a força de uma mulher que vive na periferia, e se sente na obrigação de manter o sustento de sua família, mesmo que isso resulte em abrir mão dos seus próprios anseios.

Em seguida foram ouvidos profissionais do corpo técnico: o médico legista e o psiquiatra forense, personagens da vida real que, baseados no dossiê apresentado pelos diretores do espetáculo, deram seus laudos.

Questionado pelo juíz sobre a possibilidade de permanecer calado, Hamlet quebra o silêncio. “Eu quero falar”. Visivelmente nervoso nos leva a questionar: o nervosismo era do personagem ou do ator?

Promotora e advogada de defesa defendem seus argumentos enquanto questionam o acusado. Hamlet agiu com imprudência ao tentar matar um rato ou friamente ao esfaquear o pai de seu namorada? A promotora argumenta que um golpe desferido com tamanha força é a reação instintiva de qualquer pessoa que tente matar um rato. Relata enfaticamente que sendo Hamlet um rapaz violento, que andava sempre armado e admitindo ter agredido Ofélia, era uma questão de tempo até que uma tragédia ocorresse.

A advogada de defesa reforça a origem do réu: um negro, da periferia, sem oportunidades, perseguido pela polícia, emocionalmente abalado com a recente morte do pai e o casamento da mãe, e argumenta “in dubio pro reo”,  que em caso de dúvidas, toda pessoa é considerada inocente até se prove o contrário. A cada encenação, o desenrolar da história é único. Os argumentos escolhidos raramente se repetem e a conclusão é tomada imediatamente em seguida ao discurso final das duas partes, pelo júri sorteado pelo juiz.

Conversando com Roberta de Melo Alves, 40, sentada ao lado, descobrimos como a situação é percebida pelo público. “Eu não acho justo.” Explica que a impressão é anterior à peça e que é muito difícil entender como a vida de uma pessoa pode ser julgada com base na habilidade profissional de magistrados. Perguntamos a Felipe Gonzalez, 34, se conhecer a obra de Shakespeare influenciou sua opinião sobre o espetáculo. “Não. Dá pra separar. A adaptação é muito bem construída e a história fica bem diferente.”

Inocente. Naquela tarde de segunda-feira, Hamlet voltou para casa com sua mãe, absolvido pelo júri presente. O público parecia aliviado. O julgamento pareceu ter o desfecho esperado pela maioria presente. “Gostamos muito”, afirmam as pessoas sentadas à nossa volta.

Após o veredicto, a cumplicidade entre público e ator impedia o espetáculo de terminar. Fomos conversar com os atores, tão surpresos com o desenrolar da história quanto nós. “Não acredito que de novo inocentaram o Hamlet!” bradava Matheus Macena, o ator que interpretou o próprio. “Eu queria que ele fosse condenado para ver o que acontece. Será que não estou fazendo direito o meu papel?” O diretor Roger Bernat conta que, em Recife, Hamlet interpretado por outro ator foi condenado. “O ator interpretou Hamlet como um homem violento. Bruto. A plateia ficou com medo dele e o júri o condenou.”

O dinamismo dos improvisos quase nos faz esquecer que estamos diante da ficção. Ao que nos pareceu, atores, advogados e peritos, todos também eram público. E assim como nós, se sentiram provocados, envolvidos, imersos naquele julgamento.

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[Crítica] Entre o apagamento e a evidenciação do teatro https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/entre-o-apagamento-e-a-evidenciacao-do-teatro/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/entre-o-apagamento-e-a-evidenciacao-do-teatro/#respond Tue, 13 Sep 2016 13:49:46 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1895 por Daniel Schenker

© Magali Girardin.

© Magali Girardin.

Idealizado por Roger Bernat e Yan Duyvendak, o projeto de Please, Continue, Hamlet mescla realidade e ficção ao colocar o público diante do julgamento do assassinato de Polônio, pai de Ofélia, por Hamlet – personagens da peça de William Shakespeare, os dois últimos (e Gertrudes) interpretados por atores – num tribunal conduzido por juiz e advogados verdadeiros. Além destes, um médico legista e um psiquiatra forense são interrogados para esclarecer as circunstâncias relacionadas ao assassinato. As imagens dos depoentes, bem como as evidências da morte, ganham projeção numa tela. Alguns espectadores recebem um papel: a partir de sorteio do juiz, devem compor o júri encarregado de absolver ou condenar Hamlet.

Os atores são assumidos como tais por meio de camisetas que identificam os personagens de cada um. Não há, nesse sentido, a intenção de esconder que se trata de teatro. Por outro lado, os atores não parecem interpretar, como se houvesse um desejo de apagar os sinais de representação. Matheus Macena, Mariana Nunes e Iléa Ferraz – que, nas apresentações no Mirada, surgiram, respectivamente, como Hamlet, Ofélia e Gertrudes – demonstram sintonia com essa proposta ao reagirem com espontaneidade ao instante imediato. Já os magistrados se comportam como se estivessem em atividade no cotidiano e não diante de um julgamento ficcional. Mas, em que pese o costume de lidar com plateias (de acordo com o lugar-comum de que o tribunal é uma encenação), eles são colocados aqui em situação inédita. Possivelmente por não contarem com os instrumentos do ator, os magistrados, na apresentação ambientada na Sala Princesa Isabel, se mostraram, ainda que em graus variáveis, pouco à vontade. A cada diferente cidade em que o trabalho desembarca, a equipe – tanto atores quanto não-atores – muda. O resultado oscila bastante de acordo com a atuação de profissionais e não profissionais nas diversas localidades.

Bernat e Duyvendak propõem um jogo a partir de um recorte da obra de Shakespeare ao selecionarem um momento específico e pinçarem poucos personagens, mesmo que centrais, do texto original. Apesar da austeridade própria do ambiente do tribunal, as falas – em especial, as dos atores – são ditas de modo coloquial. Hamlet, Ofélia e Gertrudes surgem como figuras humildes, distantes do ambiente familiar de poder determinado por Shakespeare, e essa diferenciação aparece estampada na presença dos atores (ainda que, em dado momento, o Hamlet de Macena faça referência deslocada ao poder da família). Essas características apontam para uma dessacralização da célebre peça. No entanto, a operação dramatúrgica não se dá sobre as palavras de Shakespeare, e sim tomando como base uma situação específica contida no texto. Os diretores não investem numa apropriacão verticalizada da peça. Não estimulam novas leituras sobre os personagens.

Mesmo que a ideia (reproduzir uma atmosfera real de tribunal num julgamento ficcional) não se revele propriamente consistente, o projeto de Please Continue, Hamlet evoca uma obra instigante: O Interrogatório, de Peter Weiss, peça concebida a partir de um trabalho de corte e colagem dos depoimentos de acusados e vítimas do holocausto e encenada no Brasil por Celso Nunes (ns década de 1970), Luiz Fernando Lobo (na de 1990) e Eduardo Wotzik (na de 2000). Particularmente nessa última montagem, Wotzik reproduziu a ambientação de um tribunal e criou uma dinâmica em que os espectadores podiam entrar e sair livremente da sala, até porque a encenação do julgamento recomeçava depois de encerrado o texto caudaloso, a cada seis horas, até completar 24 horas. Mas, enquanto Wotzik lidou com um espaço teatral, mesmo despindo-o de suas convenções, Bernat e Duyvendak aproveitaram, em Santos, um local de tradição política.

Vale dizer que a sessão de domingo de Please, Continue, Hamlet contou na plateia com a oportuna presença do ator Pascoal da Conceição, que interpretou Polônio numa das primeiras montagens da volta do Teatro Oficina (rebatizado de Uzyna Uzona), na metade inicial dos anos 1990, intitulada Ham-let. Sorteado pela juíza, o ator acabou dispensado da tarefa de julgar Hamlet ao revelar seu “comprometimento” com a história.
*Sobre o autor: Daniel Schenker é bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e da revista Preview. Escreve para os sites Teatrojornal e Críticos e para o seu blog homônimo. É membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio, Questão de Crítica e Reverência.

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