Felipe Hirsch – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] ANTI-TRATADO DE tordesilhas https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/anti-tratado-de-tordesilhas/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/anti-tratado-de-tordesilhas/#respond Thu, 15 Sep 2016 20:45:55 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2270 Por Welington Andrade

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“Se esse tempo latino-americano nos parece premente, escandaloso, contraditório, como em época de revolução permanente, assim também se nos apresentará o panorama da criação artística; algumas condições vêm de outrora, mas recebem um matiz próprio da época; outras são geradas nos problemas culturais do momento; e há ainda as que apontam para o futuro imediato”. Ángel Rama, Dez problemas para o romancista latino-americano.

Apresentada neste Mirada 2016 como um trabalho ainda em processo, A comédia latino-americana, segunda parte do díptico A tragédia latino-americana (cuja estreia se deu na MIT 2015) e A comédia latino-americana – com direção de Felipe Hirsch e atuação do coletivo Ultralíricos (formado, aqui, por Caco Ciocler, Caio Blat, Camila Márdila, Georgette Fadel, Javier Drolas, Julia Lemmertz, Magali Biff e Rodrigo Bolzan) – reúne uma série de textos da literatura em língua portuguesa e em língua espanhola do continente americano que tematizam “a violência, o binarismo político e ideológico, o sistema elitista, a não valorização da própria cultura, a falta de consciência histórica, entre outros assuntos tomado como característicos da América Latina”, segundo consta no catálogo completo do festival.

A criação mostrada ao público no Teatro Coliseu de Santos na última terça-feira, dia 13 de setembro, constitui uma espécie de “girafa de três pernas”, expressão que o dramaturgo irlandês Samuel Beckett (cuja figura está estranha e entranhadamente implícita na segunda parte do espetáculo) utilizou para tratar do processo de construção de Fim de partida, quando a peça ainda se dividia em dois atos, posteriormente sintetizados em um. O desequilíbrio estrutural da versão de A comédia latino-americana apresentada no dia 13 (no dia anterior, segundo quem esteve presente à sessão, outra foi a conformação dramatúrgica concretizada em cena) configurou-se certamente como um dos elementos que mais chamaram a atenção.

A primeira parte da apresentação evocou certo espírito do teatro de revista, ao mostrar – como se fizessem parte de um todo ecleticamente constituído – seis quadros de naturezas diversas, que dialogam em maior ou menor medida com a trilha sonora original composta por Arthur de Faria, executada ao vivo pelo próprio músico à frente da Ultralíricos Arkestra, cujos integrantes estão reunidos à esquerda do palco. No primeiro deles, que tem início no plano da plateia, Rodrigo Bolzan e Magali Biff encarnam um casal em litígio pelo fato de ele gostar de teatro, e ela somente de telenovelas. A rigor, tal mote se desdobra em uma discussão a respeito da natureza da representação teatral e de sua recepção por parte do espectador – que a dupla de intérpretes, esbanjando talento, aliás, entabula tangida pela máscara do patético. Segue-se um número musical em que todos os atores, dispostos em formação coral e tendo sob suas cabeças chapéus bastante engraçados, cantam uma canção que trata do neoliberalismo. A cada um deles compete o protagonismo de estrofes especialmente entoadas. O quadro é longo (a extensiva duração de todos eles, aliás, constitui, tudo leva a crer, um elemento intencional na gramática do trabalho) e alia a seriedade subjacente ao tema à hilaridade controlada com a qual ele é tratado.  Posteriormente, uma alentada declaração em off chega aos ouvidos do espectador sob a forma de um manifesto. O que ocorre depois é o desmonte da descomunal parede de tijolos de isopor erguida como fundo de cena até a primeira metade do palco (a direção de arte do projeto é de Daniela Thomas e Felipe Tassara), realizado em conjunto por todos os atores com a ajuda de integrantes da equipe técnica. Sobre os escombros tem início o próximo quadro, no qual Caco Ciocler, transitando entre os registros cômico-popular e grotesco, encarna um Pero Vaz de Caminha pós-moderno, cujo discurso alia violência, desfaçatez e escatologia. Encerra essa primeira parte uma canção apresentada por Georgette Fadel.

Eis que, após o intervalo, o espírito de revista da primeira parte se dilui e A comédia latino-americana faz da narrativa La libertad total, do escritor argentino Pablo Katchadjian, seu mote. Tendo seus textos em mãos para serem lidos, mas exibindo excelente domínio no exercício de inflexões e intenções, Julia Lemmertz e Georgette Fadel dão início a um jogo de desabrida retórica e imaginação humorísticas, marcas do trabalho desse escritor ainda desconhecido entre nós, cuja filiação literária remonta ao Beckett de Esperando Godot e Fim de partida. Todos os demais atores pouco a pouco entram em cena, demonstrando a mesma prontidão para os jogos dialéticos de Katchadjian.

A materialização dessa loquacidade lúdica sob a forma de espetáculo teatral é bastante desafiadora e aponta para o tom de provocação geral que preside a essa comédia latino-americana capitaneada por Felipe Hirsch. Ainda que anunciando querer somente dar “um recorte” da literatura do continente, o espetáculo pode – conscientemente ou não – vir a apostar no conceito de comarca desenvolvido por Ángel Rama, por meio do qual o crítico uruguaio considerou possível identificar a “homogeneidade de elementos naturais, étnicos e culturais que convergem em formas similares de criação artística”. As questões decorrentes da inserção desses escritores em suas comarcas e de sua participação em um espetáculo teatral tecido pelos fios da transculturação podem fazer do projeto um ótimo espécime por meio do qual se discuta o complexo problema da liberdade de criação no teatro ou simplesmente se desfrute dele.

*Welington Andrade é doutor em literatura brasileira pela USP, na área de dramaturgia. É professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero desde 1997, crítico de teatro da revista Cult e autor de um dos capítulos da História do teatro brasileiro: do modernismo às tendências contemporâneas (Editora Perspectiva/Edições Sesc-SP, 2013).

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10 coisas que você pode esperar do Mirada 2016 https://mirada.sescsp.org.br/2016/digital/10-coisas-que-voce-pode-esperar-do-mirada-2016/ Thu, 08 Sep 2016 22:46:44 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1353 Por Patrícia Diguê

1)  Grandes estreias nacionais: duas peças vão abrir suas temporadas durante o festival, sendo uma “A comédia latino-americana” (Cia. Ultralíricos), com direção de Felipe Hirsch, e a outra “Leite derramado” (foto), adaptação cênica do premiado romance de Chico Buarque.

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2)  Oito peças da Espanha: O país é o homenageado desta edição, e, por isso, o Mirada vai receber montagens direto de Madri, Catalunha, País Basco e Barcelona. Olé!

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3) Um sabonete de 1,3 tonelada: O cenário da obra “4”, do diretor Rodrigo Garcia, conta com o pequeno grande adereço, que teve que ser trazido de navio da França.

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4) Passear por dentro de um aparelho digestivo: O palco para a peça mexicana “Psico/embutidos, açougue cênico” simula as nossas entranhas em andaimes e escorregadores, e a instalação ficará aberta ao público durante todo o festival.

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5) Viver como um refugiado: Em uma das peças ao ar livre, o expectador participará como figurante de uma fuga. É em “Fugit”, da Catalunha, que ocorrerá nas ruas do Centro Histórico.

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6) Participar do Mirada sem gastar um tostão: Alguns espetáculos ao ar livre, atividades na Área de Convivência do Sesc, performances em diversos pontos da cidade, instalações artísticas, apresentação de vídeos, leituras comentadas, discussões, formativas… não faltam opções gratuitas para mergulhar no mundo do teatro.

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7) Shows: Quatro bandas (duas brasileiras, uma cubana e outra argentina) vão animar os finais de noite no Sesc durante o evento. Tem cumbia, pop experimental, hip hop e música caribenha eletrônica.

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8) Espetáculos ao ar livre: Emissário Submarino (foto), Fonte do Sapo, Bacia do Mercado, Praça Barão do Rio Branco (SV) e Parque Tupiniquins (Bertioga) vão abrigar peças também. É para assistir as peças e conhecer a cidade toda.

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9) Bonecos: Dois imperdíveis espetáculos infantis com bonecos estão na programação (“Simon, a Topeira” e “Som das Cores”). Assim ninguém da família fica de fora.

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10) Peças para quem tem tempo e quem não tem: cada sessão do espetáculo “Teatro dos Seres Imaginários” dura apenas 10 minutos. Enquanto isso, a montagem espanhola “Que haré yo con esta espada?” requer um espectador dedicado, porque leva 4 horas e meia.

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*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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