colômbia – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Realidade com tintas ficcionais https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-realidade-com-tintas-ficcionais/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-realidade-com-tintas-ficcionais/#respond Sun, 18 Sep 2016 19:01:08 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2892 Por Daniel Schenker

Autor do texto, diretor da montagem e integrante do elenco, Johan Velandia contrasta, em Camargo, procedimentos documentais com a quebra desse registro. Na encenação da companhia colombiana La Congregación Teatro, Velandia traz à tona, dentro de uma estrutura ficcional, depoimentos de Daniel Camargo Barbosa (1930-1994), responsável pelo estupro e morte de 157 meninas virgens na Colômbia, no Brasil e, principalmente, no Equador, e o desdobramento do caso por meio das investigações.

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Nas paredes do cenário, composto basicamente por uma grande mesa, fotos de Camargo e, ao que parece, de algumas de suas vítimas. A confrontação com o real é relativizada pelo desenho propositadamente exagerado dos personagens dentro da dramaturgia, característica realçada nos desempenhos expandidos, acentuados, do elenco – com um pouco mais de frescor nos trabalhos das atrizes do que dos atores. A trilha sonora, nas cenas marcadas pela “fala” de Camargo, acentua a tensão de uma trama macabra repleta de reviravoltas, centrada em personagem-título retirado da realidade, portador de distúrbio originado na infância. O diretor provoca uma espécie de fricção entre a filiação a um determinado gênero (suspense), notadamente ficcional, e a concretude do documental, vertente percebida, no senso comum, como transmissora imparcial da verdade. Uma impressão, porém, que não condiz com a prática porque a captação do real está inevitavelmente atravessada pelas subjetividades do artista e do entrevistado (não por acaso, considerado como personagem).

Em Camargo, o concreto pode não passar de delírio de personagens que vivem à margem da realidade. Ao entrarem no teatro, os espectadores recebem um papel: o de convidados de uma reunião familiar. São dispostos ao redor de uma grande mesa, onde ocasionalmente ficam os atores, enquanto que o restante da plateia se divide em duas arquibancadas localizadas nas laterais do espaço. Ao longo da apresentação, os atores destinam pequenos comentários à plateia, não só à parte que está dentro da cena como a que se encontra desvinculada da ação, nas arquibancadas. A presença dos espectadores sentados à mesa é concreta, mas relativizada a partir da sugestão de que não passam de projeções imaginárias de um fanático. A religiosidade desmedida de Camargo rende uma cena alucinatória. As referências bíblicas também são sublinhadas por meio do pão e do líquido de coloração que evoca a do vinho servidos aos espectadores.

Velandia concebe uma estrutura propositadamente repetitiva (as cenas marcadas por insistentes chamados pela entrada do protagonista, os atores servindo comida e bebida). Embaralha os acontecimentos ao invés de dispô-los em ordem cronológica convencional. Investe no oculto, em passagens que o espectador escuta, mas não vê, seja porque ocorrem em momentos de blackout, seja porque acontecem debaixo da mesa. São soluções empregadas, em especial, nas cenas de assassinatos, uma vez que, diferentemente do cinema, o teatro é uma arte em que não há como reconstituir com veracidade circunstâncias como essas diante do público.

 

Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e da revista Preview. Escreve para os sites Teatrojornal (teatrojornal.com.br) e Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. É membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio, Questão de Crítica e Reverência.

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[Crítica] Rebú, uma proposta reiterativa https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-rebu-uma-proposta-reiterativa/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/critica-rebu-uma-proposta-reiterativa/#respond Sat, 17 Sep 2016 22:06:47 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2719 Por Daniel Schenker

Jô Bilac brinca com os códigos do melodrama em Rebú, texto encenado pela Companhia Teatro Independente, conduzida por Viniciús Arneiro, numa época de afinada parceria artística entre o dramaturgo e o grupo (que, antes, montou outro texto de Bilac, Cachorro!). Agora, a peça ganha nova montagem, a cargo da companhia Teatro del Embuste, da Colômbia.

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A proposta de humor é lançada pelo autor já na escolha de uma ambientação não só distante como improvável: o inverno norueguês de 1894. O embate rasgado entre duas mulheres, Vladín e Bianca, conduz a trama. A primeira é irmã de Torvaldo, por sua vez, casado com Bianca. Antes mesmo de chegar à casa do irmão, Vladín impõe uma série de exigências e, quando finalmente aparece, traz uma companhia inusitada – Nataniel, um cabrito cego.

Não é fácil encontrar o tom exato para o texto. Se por um lado levar o melodrama a sério pode tão-somente realçar o anacronismo do gênero e encaminhar a construção dos personagens para um psicologismo insustentável, por outro aderir simplesmente ao escracho tende a fazer com que as atuações se reduzam a meras caricaturas. Há um equilíbrio delicado, em termos de registro, a ser alcançado.

Responsável pela direção e adaptação do texto, Matías Maldonado demonstra dificuldade em encontrar a justa medida, oscilando entre extremos – entre uma certa contenção que empalidece a encenação e um exagero que encaminha o trabalho rumo ao óbvio. As caracterizações dos personagens não se mostram eficientes para provocar o riso, a exemplo da peruca excessivamente postiça de Torvaldo. A solução encontrada para Nataniel é pouco inspirada, anulando o eventual estranhamento que o personagem poderia gerar.

O diretor também propõe a revelação das convenções teatrais, seja ao interromper, com frequência, a ação e acender a luz de plateia para mostrar os atores discutindo, seja ao expor o desmonte da cena (por meio da queda das cortinas que delimitam a área de apresentação, da explicitação dos efeitos e da aparição de assistentes encarregados de operar ocultamente a maquinária do palco). A decisão de Maldonado de frisar que o público está diante da “mentira” do teatro, realçada pela mensagem final (“Tudo é teatro. Tudo é falso”), não se justifica porque o texto de Bilac, repleto dos exageros próprios do melodrama, já evidencia o artifício. A proposta do diretor alcançaria melhor resultado como constraste proposital a uma dramaturgia realista que procurasse estabelecer uma relação ilusionista com a plateia.

A mencionada indefinição na dosagem do humor e o trânsito inconsistente entre diferentes planos (a representação da história de Bilac e a interrupção) prejudica o trabalho dos atores (Hernán Cabiativa, Natalia Helo, Javiera Valenzuela e Javier Gardeazábal). O espetáculo também sofre com outros problemas, como a falta de ritmo e a ausência de elaboração mais satisfatória em elementos como a cenografia e as inserções musicais. São criações que não formam uma espessura com o texto e, portanto, não estimulam a imaginação do espectador. Rebú é um espetáculo que carece de uma concepção mais amadurecida.

Daniel Schenker é Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e da revista Preview. Escreve para os sites Teatrojornal (teatrojornal.com.br) e Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. É membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio, Questão de Crítica e Reverência.

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