Angélica Liddel – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] Canção de amor para os assassinos https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/cancao-de-amor-para-os-assassinos/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/cancao-de-amor-para-os-assassinos/#respond Thu, 15 Sep 2016 21:08:22 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=2291 Por Ivana Moura, Do blog Satisfeita, Yolanda?

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O caráter radical do teatro de Angélica Liddell se abre em todo seu esplendor e crueldade no espetáculo ¿Qué Haré Yo Con Esta Espada?, apresentado no MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos.  Essa mulher de aparência frágil investe como uma metralhadora a cuspir verdades difíceis de engolir, a articular e subverter conceitos para remeter ao subtítulo da montagem (aproximación a la Ley y al problema de la Belleza).

Os fundamentos monstruosos do ser humano são perfilhados, sulcados em papéis de torturador e vítima em cenas perturbadoras, extremas. Os impulsos mais perigosos são cavoucados numa busca pela beleza e amor. Da ferocidade do amor quando se sente ameaçado. “O horror precisa do nosso amor”, escreveu ela. Ou, seguindo Nietzsche sobre a liberdade oferecida pela natureza e não pela lei.

A artista catalã trafega por territórios complexos, em pulsações de raiva e indignação, violência física e verbal.  Sequências de dança surpreendentes, trechos de óperas, de heavy metal, meninas louras nuas se contorcendo violentamente. Três japoneses (incluindo um dançarino arrebatador) que devoram peixe cru e uma gueixa japonesa. Um solo emocionante do dançarino japonês Ichiro Sugae que vai até a exaustão. Liddell profere suas referências à Bíblia, Shakespeare, Nietzsche, Ovídio, Georges Bataille. A representações pictóricas de todas as eras, Bosch, Botticelli, Goya, Velázquez, aos filmes do japonês Koji Wakamatsu,  etc. etc., numa intensidade intelectual  difícil de acompanhar.

Desde o início Angélica Liddell mostra tudo. Vai ao avesso. Oferecendo o mais íntimo, o mais secreto. Pernas afastadas numa versão ao vivo de A Origem do Mundo (L’Origine du monde, de 1866), quadro pintado pelo realista Gustave Courbet.

Em cinco horas se sucedem cenas de nudez, histórias de ficção e ritual de canibalismo, flagelos  com polvo e cheiro forte de maresia, suavidade e histeria, uma sessão exorcismo pelos ataques de 13 de novembro. Uma beleza extraordinária em meio a discurso frenético e obsessivo.

A peça está alicerçada sobre dois acontecimentos reais: O crime do canibal japonês que devorou sua vítima em nome do afeto e os atentados em Paris, em novembro de 2015.

Em 11 de junho de 1981 estudante Issei Sagawa assassinou e cortou em pedaços a namorada de 24 anos, após ter pedido para ela ler um poema. O japonês comeu parte do corpo de Renée Hartevelt e armazenou o resto no refrigerador. Ambos eram alunos da Sorbonne e ele reivindicou seu ato como uma obra artística. Angélica Liddell conheceu a história quando tinha 15 anos e ficou fascinada com a biografia do canibal japonês, culto e sensível.

A França de sua infância era o lugar da projeção da criação artística.

Liddel estava no Teatro Odeon, em Paris, quando os terroristas entraram no Bataclan. E a partir desse fato ela inventa uma ficção em que ela mesma seria a bruxa que atrai a morte e a responsável pela chacina, pois carrega consigo “uma maldição”.

No segundo ato ela desenvolve essa ideia, de que poderia ter evitado o massacre de 13 de novembro 2015, se tivesse cometido suicídio antes. E convoca o dilema dissecado por São Paulo na Carta aos Romanos: “Eu não entendo o que eu faço: eu não faço o que eu quero e eu faço o que eu odeio”.

Um ritual onde a beleza é o contraponto do sofrimento; e o arrebatamento da ópera barroca Dido and Æneas (Didon et Énée), do compositor inglês Henry Purcell.

Em três atos, ela busca transformar a violência real em violência poética. E conduz a plateia a mergulhar em zonas profundas dos instintos humanos mais primitivos.

No primeiro ato, é projetada em letras grandes a citação extraída do texto De La France, de Emile Cioran: “A França é o país da perfeição estreita […] símbolo poderoso para estrangeiros de desesperança ou os impetuosos de exclamação”.  Deve ter incomodado bastante nas sessões de Avignon, conceituado festival de teatro francês. Alguns devem ter recebido como desrespeito à história do país de Baudelaire, Rimbaud, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, Marcel Proust e da Revolução Francesa:

“Francia es el país de la perfección estrecha. No puede elevarse hasta las categorías supraculturales: hasta lo sublime, lo trágico, hasta la inmensidad estética. Por eso nunca ha dado un Shakespeare, un Bach o un Miguel Angel.(…) Las reflexiones de los moralistas franceses sobre el hombre son modestas comparadas con la visión del hombre en un Beethoven o un Dostoievski.(…) No conoce el equivalente del drama isabelino o del romanticismo alemán. Ajena como es a los símbolos potentes de la desesperanza o a los dones impetuosos de la exclamación- ¿dónde encontrar a una Santa Teresa entre las mujeres de sonrisa inteligente?- lleva su caída hasta el fin, conforme al ritmo propio de su evolución. (…) Francia se prepara para un final decente”. SOBRE FRANCIA. EMILE CIORÁN.

Ela exerce o direito de ser abusada com anfitriões, numa quebra a qualquer coisa que seja razoável.

“Sim, eu sei, a sinceridade é uma forma de barbárie.

Suas mentiras uma forma de refinamento.

Seus julgamentos uma forma de hipocrisia.

Sua correção, uma forma de intriga e ocultação”.

 Diz ela no terceiro ato, em socos certeiros aos “herdeiros perfeitos da baixeza de Rousseau”. Alguém escapou? Liddell não foi mais gentil com sua própria terra.

Há quem pense que ela quer chocar a todo o custo. Alguma violência ainda escandaliza?

Poesia, libido, desejo … tudo com muita violência

No primeiro monólogo Liddell faz um discurso em que revela seu desejo de “poder follar” no dia da morte do pai, da morte da mãe e o desejo de ser estuprada após sua própria morte.

E convoca o serial killer norte-americano Ted Bundy em palavras que despedaçam qualquer sonho burguês ou ideia de conciliação com a superfície dos bons sentimentos.

Eu sou o objeto sublime da sublime transgressão.

Eu sou o centro do problema da beleza.

Eu sou a embriaguez do assassino que o mundo da razão não pode suportar.

Onde os justos descobrem o que a lei os impede.

Onde os justos descobrem suas paixões.

Ted Bundy os ensinará tudo aquilo que a repressão nega e os livrará com seus atos de rigor que afoga o mundo.

Sim, eu sou a eleita pelo mal,

e minha cabeça cortada acompanhará a solidão

do homem verdadeiramente livre

para que todos vocês possam viver sem liberdade…

Ela não justifica os atos, expõe que faz parte da natureza humana, as zonas mais problemáticas, o ponto de vista criminal.

A história da humanidade é sórdida.

E a montagem segue em ritmo alucinante de discursos.  De composição cênica.  Garotas lindas e loiras e a se convulsionar, flagelar e simular sexo sozinhas ou com polvos. Uma agitação contínua de erotismo.

Em algum momento invade o som da banda hardcore norte-americana Hüsker Dü. Noutras cenas alusões ao Hentai (mangá japonês).

“Fair is foul and foul is fair” (Le beau est laid et le laid est beau), dizem as bruxas em Macbeth. Com essas palavras começa a carta de Angélica Liddell ao criminoso japonês Issei Sagawa, num desequilíbrio entre o fascínio com o mal e a dor.

Conectando com os instintos e os abismos profundos ela grita que todos e cada um é responsável pelo mal que assola o mundo em que vivemos. Mas sem falsos moralismos. Há empatia com assassinos porque eles pisaram em determinados territórios e nós não. Lembra de algum modo Artaud, o ritual, o sagrado. O bacanal místico.

Seu trabalho vai aos limites físico e mental, em uma composição exigente, calculada e estruturada ao extremo. A resistência e a exaustão do um intérprete japonês que realiza o mesmo movimento repetitivo segue passos do belga Jan Fabre, que já nos anos 1970 extraía sangue do próprio corpo e investia num teatro pleno de nudez e limites físicos para chegar ao êxtase.

Nem sempre bem compreendida, Liddell brinca com isso. Na sessão pediu para acender a luz da plateia e ver quantas pessoas ficaram até a terceiro parte.

Ela faz uma evocação das Metamorfoses de Ovídio. Mas sem antes deixar de dar uma nota sobre o futebol, o europeu e uma gracinha sobre o futebol brasileiro que levou uma surra de 7 a 1; sobre as medalhes da Olimpíada. Uma crítica feroz à valorização do mundo dos esportes em contraponto com o pouco reconhecimento da arte.

“A felicidade existe, mas ninguém merece”.

¿Cómo resolveréis vosotros el problema de la Belleza? ¿Dónde está la belleza? ¿Sabéis lo que dijo el filósofo? Amar y sucumbir: ambas cosas han ido unidas desde la eternidad. Voluntad de amor es estar dispuesto hasta la muerte. ¡Así es lo que os digo, cobardes!

“Tengo Poderes”, ela sussurra antes de deixar a cena em algum momento. Disso não temos a menor dúvida.

*Ivana Moura é jornalista, crítica cultural, pesquisadora de teatro, atriz e dramaturga. Mestra em Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde 2011 edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda?, do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015), Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília (2014 e 2015) e  Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

**Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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19h00  “Como será que eles vão relacionar uma história de canibalismo do japonês de 1981 à um ataque terrorista no Bataclan em 2015?”

19h10 “Meu Deus, 270 minutos é quase cinco horas né?”  

19h22  “O que diabos está acontecendo no palco?”

19h30 “Definitivamente a gente não tava pronto para isso?”

19h40 “Gente, pelo menos a gente aprendeu a falar palavrão em espanhol, francês e japonês.”

19h50 “Como é boa a Angélica Liddel, né?”

20h30 “Ok, agora tá fazendo sentido.”

20h40 “Não tô entendendo mais nada, mas até que tá bonito.”

20h50  “Ok, essa parte não era tão necessária assim. Ou era?”

21h  “Eba, intervalo.”

21h05 “Entendi a parte dos crimes violentos e crimes contra mulheres. Tô me sentindo um vencedor”

21h10 “Acho que nunca mais vou conseguir comer polvo na minha vida”

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21h15 “O que será que vai rolar agora?”

21h20 “Acho que a Angélica vai matar alguém no palco.”

21h45 “Definitivamente ela vai matar alguém no palco, tomara que não seja eu.”

21h55 “EU PRECISO DESSE TEXTO MARAVILHOSO QUE ELA FALOU AGORA”

22h00 “Onde será que ela acha essa galera linda que topa fazer essas loucuras todas?”

22h10 “Nossa que coisa linda, sério, acho que depois de duas horas você aceita o que vier pela frente”.

22h20 “Nossa dei uma pescada aqui”

22h30 “Opa, outro intervalo, arrasou, melhor timing.”

22h45 “Nossa amei a Angélica, tenho que lembrar de jogar no Google pra saber mais sobre ela.”

23h00 “Ah, agora as coisas tão fazendo mais sentido, mas eu acho que não vou dormir pensando nisso tudo.”

23h20 “CALMA O QUE TÁ ACONTECENDO? EU TINHA ENTENDIDO TUDO, PARA QUE ISSO AGORA?”

23h40 “Cara, o que diabos tá acontecendo, sério, ecaaaaaaa”

23h50 “Não tenho ideia do que acabou de acontecer, mas acho que eu gostei.”

0h00 “Ok, entrei em uma peça as 19h de um dia e sai no outro dia, como pode?”

0h01 “Sério, todo mundo precisa passar por essa experiência na vida.”

0h02 “Acho que não vou conseguir dormir nunca mais.”

0h05 “Ok, definitivamente não sei falar o que eu gostei ou não,mas TODO MUNDO PRECISA VER ESSA PEÇA”.

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“Que haré yo con esta espada? (Aproximación a la ley y al problema de la belleza)”, sobe a serra e estará em cartaz no Sesc Pinheiros nos dias 17 e 18/09.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui.

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