Agrupacion Senor Serrano – Sesc Mirada https://mirada.sescsp.org.br/2016 MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos Tue, 31 Jan 2017 21:44:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.5.8 [Crítica] MIRe VEJA, Mi(g)Re (E) VEJA https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/mire-veja-migre-e-veja/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/mire-veja-migre-e-veja/#respond Tue, 13 Sep 2016 21:02:50 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1960 Por Welington Andrade

birdie

“… é teatral o que quer e pode ser teatro. Essa abordagem hegeliana e teleológica aceita, ao contrário da outra, o movimento e a contradição interna na história. Seja nostalgia de um modelo, sonho de uma essência, retraimento sobre uma especificidade, querer ou poder – desejo –, a teatralidade é falta de teatro. A modernidade concebe o teatro como falta, desejo e procura de teatro, em lugar de fazer do teatro uma arte definida e consumada”.

Geneviève Jolly e Muriel Plana, Léxico do drama moderno e contemporâneo.

Em Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna, Jonathan Crary convida à reflexão a respeito de como a arte e a cultura contemporâneas vem lidando com a categoria da percepção, desdobrada diretamente nos modos de produção da subjetividade. O professor de arte moderna e teoria da arte na Universidade de Columbia analisa as alterações significativas no regime de percepção criado pela sociedade industrial do século XIX cujos impactos se estendem aos dias de hoje. Examinando o fenômeno da urbanização acelerada vivido no Ottocento como uma conquista do capitalismo industrial, Crary detém-se sobre o problema da atenção e da subjetividade modernas a partir da relação que se estabelece entre percepção, sensibilidade, pesquisa científica e experiência estética. Os conceitos debatidos pelo autor podem migrar da esfera do século de Baudelaire e ser analisados à luz do início desse novo milênio, no qual a cultura do espetáculo tem caráter marcadamente disciplinador. “O que importa para o poder institucional, desde o final do século XIX”, afirma o autor, “é apenas que a percepção funcione de tal modo a garantir que um sujeito seja produtivo, controlável e previsível, que seja adaptável e capaz de integrar-se socialmente”.

A partir de tal enfoque, podemos afirmar que Birdie, do Agrupación Señor Serrano, da Espanha, constitui uma experiência teatral sui generis cuja grande qualidade é levar ao descondicionamento do mais hipertrofiado órgão da percepção humana – o olho – para que ele desconfie do que, a princípio, vê. Acreditamos tratar-se mesmo Birdie de uma criação teatral, uma vez que as palavras “espetáculo” e “espectador” provêm da forma latina “spectare”, que significa “olhar, observar atentamente, contemplar”, derivada, por sua vez, da forma grega “optiké”, cujo sentido é “a arte de ver, a ciência da visão”. Implicando a própria palavra “teatro” em grego a ideia de “lugar de onde se vê”, pode-se afirmar que a arte da cena, desde seu nascimento, elegeu o olho humano como sede da percepção do espectador. Assim, nada mais natural que um dos trabalhos que o grupo espanhol trouxe para este Mirada 2016 (o outro é Brickman Brando Bubble Boom – BBBB) tenha tido como ponto de partida uma imagem fotográfica. Captada em 2014 por José Palazón e rapidamente difundida na internet, ela retrata, em primeiro plano, um campo de golfe em Melilla (um enclave espanhol em território marroquino) e, em segundo plano, uma dezena de imigrantes africanos empoleirados sobre a cerca que separa aquela cidade do território do Marrocos. (À direita, é possível ver ainda um policial dirigindo-se ao grupo, anunciando uma abordagem violenta).

A leitura que se pode fazer desse instantâneo – convém lembrar, aqui mais do que nunca, que o étimo de “ler” aponta para a ideia de “colher com os olhos” – é a mais rugosa possível do ponto de vista semântico e está na base da nomeação do espetáculo. O vocábulo “birdie” pode significar em inglês tanto pássaro como um tipo de jogada no golfe. Dessa ambiguidade nascem então inúmeras outras ambivalências, estendidas ao nível da fluidez de sentidos – fruída, formalmente no espetáculo, pelo olho do espectador, que reconhece imagens de migrações humanas e animais, de aves migratórias e cenas fragmentadas de Os pássaros, de Hitchcock, editadas artesanalmente e exibidas, ora sob a narração de uma locutora que presta informações pontuais, ora ao som de uma trilha musical vibrante. Estabelecendo de modo lúdico algumas ilusões óticas dispostas a desautorizar o exercício da centralidade da visão (dependente de um olhar fixo, monocular), a experiência do Agrupación Señor Serrano nos propõe um curto-circuito perceptivo, ao nos oferecer para o (des)entendimento de nossa visão e audição uma complexa massa de estímulos, signos e materiais heterogêneos incapazes de serem reduzidos a um único sentido.

Afirma Patrice Pavis em seu Dicionário de teatro que “seja sob forma do corpo pensante, seja sob a do corpo no espírito”, “a percepção do espectador situa-se no lugar estratégico no qual ocorre a experiência teatral em sua complexidade e irredutibilidade”. Ao falar sobre migração do ponto de vista político, Birdie conduz também o espectador a um processo que podemos chamar de migração da subjetividade. Passagem de uma região ordinária, sensata, plagiária (na acepção de Roland Barthes) a um plano líquido, fluido, extraordinário – onde um sentido captado de modo subjetivo nunca fica satisfeito de estar. Pois bem, Birdie constitui um exercício de figuração em torno das ideias de migração de sentidos e de disciplina do olhar, por meio das quais os integrantes do Agrupación Señor Serrano inquirem a respeito de para onde miramos nosso olhar e o que de fato vemos.

*Welington Andrade é doutor em literatura brasileira pela USP, na área de dramaturgia. É professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero desde 1997, crítico de teatro da revista Cult e autor de um dos capítulos da História do teatro brasileiro: do modernismo às tendências contemporâneas (Editora Perspectiva/Edições Sesc-SP, 2013).

*Leia mais sobre o Mirada 2016 aqui.

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[Crítica] There´s no place like home https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/theres-no-place-like-home/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/critica/theres-no-place-like-home/#respond Mon, 12 Sep 2016 15:50:28 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1822 29016968356_d4851886b1_k

Por Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda?

No artigo intitulado Uma redefinição do teatro político, escrito por Patrice Pavis e publicado pela revista Sala Preta em 2013, o pesquisador propõe um questionamento cada vez mais recorrente no teatro realizado nesta década: “Como ilustrar na cena questões sobre a política ou a financeirização da economia, como esclarecer processos cada vez mais complexos que escapam, em grande parte, até mesmo aos especialistas? ”. Pavis continua sua argumentação afirmando que tanto o realismo quanto o naturalismo não necessariamente conseguem, no cenário atual, dar conta de lidar com esse real. E, mais adiante, esboça algumas possibilidades: “A escrita, mesmo a poética, por vezes é o melhor meio de acessar o real. A ficção, a artificialidade do jogo, a intensidade são necessárias para a descoberta de elementos do real e para a sua elucidação. O trabalho artístico e formal (mas não formalista) é uma etapa indispensável quando as formas e a dramaturgia esforçam-se para revelar conteúdos sócio-políticos ou psicológicos. A arte é, ou se torna, uma das melhores ferramentas para questionar a realidade e a política”.

O espetáculo Brickman Brando Bubble Boom – BBBB, do Agrupación Señor Serrano, dialoga perfeitamente com as ponderações trazidas à discussão por Patrice Pavis. Desde o título, já nos deparamos com o anúncio de um entrelaçamento que, na encenação, será verificado em vários níveis. Tanto nas narrativas, na linguagem, quanto nos dispositivos tecnológicos e nas técnicas utilizadas para a elaboração de um pensamento construído ao longo de toda a montagem. Talvez o seu ponto culminante, sua síntese, seja a cena em que os atores/performers/técnicos destroem uma enorme casa de isopor que eles haviam montado em cena.

O mote disparador para o espetáculo do grupo, fundado em 2006, em Barcelona, é a crise no setor imobiliário da Espanha. Desde 2008 – dado divulgado durante a própria montagem – foram mais de 500 mil despejos na Espanha. O estouro da bolha imobiliária, um processo bastante semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, se desdobrou em diversos âmbitos no país. Como então trazer para o teatro essa temática, sem que seja feita uma reprodução documental ou uma imitação da realidade? Como, além disso, ampliar as possibilidades de apreensão desse real que se mostra tão complexo e brutal?

Em BBBB, o espectador é apresentado a duas histórias: a primeira delas, ficcional, conta a trajetória de sucesso de John Brickman, um dos maiores construtores da Inglaterra, que seria um dos criadores do sistema hipotecário internacional. Leia-se: a possibilidade de que todas as pessoas pudessem comprar suas casas, realizar um sonho, mesmo que a juros exorbitantes. Brickman nasce dentro de uma família muito pobre, que vivia numa casa de madeira, pintada de azul. E termina a vida infeliz, apesar de ter se tornado um milionário e morar numa grande mansão. A segunda narrativa é a de Marlon Brando que, desde cedo, teve problemas com os pais, um inadaptado, comprando mansões, mas sempre em busca de um lar de fato.

Apesar das histórias serem contadas dramaturgicamente de maneira linear, até dispostas em capítulos, os recursos utilizados pelo grupo se mostram criativos e engenhosos e se desdobram em várias escalas (inclusive de tamanho mesmo) diante do público. A narrativa de Brickman é trazida através da projeção de filmes da carreira de Brando, como se o ator interpretasse a vida do construtor; e também da manipulação ao vivo de objetos micro, como bonecos em miniatura na frente de maquetes de casa. A edição de todas essas imagens é feita ao vivo. Um dos integrantes do grupo está num dos cantos do palco, com todo o aparato, como computadores, para sincronizar as projeções. Além disso, no caso da história de Brickman, quase como justaposição, um dos atores faz a dublagem e imita os trejeitos de Brando nos filmes ao lado da projeção.

Durante a encenação, o público também vê projetadas outras estruturas narrativas que costuram e ampliam as possibilidades de diálogo e reverberação das narrativas. Por exemplo, imagens do programa Extreme Makeover, que reforma casas de pessoas pobres, com histórias de vida difíceis. Um modelo de exploração, aliás, reproduzido também nas televisões brasileiras. BBBB nos faz questionar o esforço do capitalismo em nos fazer acreditar no trabalho árduo, na compra de uma casa como necessidade, no engodo da meritocracia.

O Agrupación Señor Serrano se define como “una compañía de teatro que crea espectáculos originales basados en historias emergidas del mundo contemporâneo”. Em BBBB, assim como noutros espetáculos de grupos que têm a mesma premissa do espanhol, não há uma preocupação em dar conta de forma totalizante da amplitude e da complexidade da realidade, o que seria um objetivo inviável, mas de levantar questionamentos e propor olhares, trazendo à cena problematizações e possibilidades de apreensões. O espetáculo pode ser tomado como mais um exemplo significativo de como o teatro, uma arte de caráter coletivo, está estabelecendo relações com o político e o real, oferecendo ao espectador outras chaves de aproximação com esse mundo.


Pollyanna Diniz é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), há cinco anos edita e produz conteúdo para o blog Satisfeita, Yolanda? (www.satisfeitayolanda.com.br), do qual é uma das idealizadoras. Participou de coberturas de festivais e mostras como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (2014, 2015 e 2016), a Mostra Latino Americana de Teatro de Grupo (2015) e a Bienal Internacional de Teatro da USP (2015). Integra a DocumentaCena – Plataforma de Crítica e a Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT-IACT, filiada à Unesco.

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Refugiados no teatro https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/refugiados-no-teatro/ https://mirada.sescsp.org.br/2016/teatro/refugiados-no-teatro/#respond Fri, 09 Sep 2016 22:23:43 +0000 https://mirada.sescsp.org.br/2016/?p=1477 refugiados-no-teatro

por Iran Giusti – Chicken or Pasta

Segundo a agência da ONU para refugiados, 65,3 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas por conta de guerras e conflitos até o final de 2015. Isso significa que uma em cada 113 pessoas do mundo é solicitante de refúgio. A questão é um tema global mais que atual e não poderia ficar de fora do Mirada 2016. Nesta edição, três espetáculos abordam o tema.

No espetáculo espanhol “Fugit”, os espectadores fazem o percurso junto com os artistas, como se estivessem realmente fugindo para um outro país. Assim o público é tirado da passividade para tornar-se protagonista, tendo que lidar física e emocionalmente com questões como abandono, medo, insegurança e esperança. As cenas acontecem nas ruas do Centro Histórico de Santos.   

De forma mais subjetiva, a Agrupación Señor Serrano, vencedora do Leão de Prata da Bienal de Veneza 2015, discute o fenômeno da miragem e do refúgio com a ajuda da cenografia e projeções na peça “Birdie”.  

Quem acompanha as notícias sobre as crises de refugiados, também já se acostumou a assistir cenas de destruição abarrotada de entulhos. Reproduzindo essa estética, a peça “Andante” traz sapatos, malas, velas, espelhos trincados, cadeiras quebradas, areia, cacos de telha, entre outros materiais, espalhados em cena junto a três atores e um músico. Tudo em plena rua.

Em comum, além da temática, os espetáculos carregam a bandeira da Espanha, o país homenageado pelo Mirada 2016 e parte da União Europeia, que só nos dois primeiros meses do ano recebeu 130 mil refugiados através do Mar Mediterrâneo.

*Leia mais artigos sobre o Mirada 2016 aqui

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