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Brasil

Sinopse

Talvez o maior de todos os quebra-cabeças seja aquele que da conta de apresentar com total definição quem somos e, ainda mais, quem somos vindo de onde viemos. Porque ser brasileiro e estar aqui não é nada fácil de decodificar. Somos curiosamente indecifráveis. Imagine, então, fazer isso no teatro. Felipe Hirsch o fez. Puzzle (a) integra uma série de espetáculos criados para representar o Brasil na Feira de Literatura de Frankfurt. Partindo da leitura de dezenas de escritores brasileiros e encontrando silêncios e falas comuns, Hirsch escolheu os textos, compondo uma experiência em pedaços distintos. O (a) no título se refere ao primeiro, ao que expõe a estrutura de um existir brasileiro por seus meandros deformados e que tanto preferimos ignorar. É impossível não reconhecer o mais horrível e banal de nosso cotidiano. Uma cultura de desvalorização do outro, de sustentação das fugas e sublimação dos erros. Puzzle (a) é a face mais crua de nossa máscara. O rosto, ainda escondido, talvez esteja mesmo naquele que consiga assistir e se surpreender, indignado, com o explicitar do comum.

Ficha-técnica

Direção Geral e Idealização: Felipe Hirsch
Elenco: Georgette Faddel, Isabel Teixeira, Javier Drolas, Jorge Emil, Luíz Päetow, Luna Martinelli, Magali Biff e Rodrigo Bolzan
Artista Convidado e Programação Visual: Rafael Coutinho
Composição da Trilha Sonora e Participação Especial: Arthur de Faria
Autores: André Sant’Anna, Bernardo Carvalho, Jorge Mautner, Juliana Frank, Nelson de Oliveira, Paulo Leminski e Veronica Stigger
Apresentação dos vídeos: O Universo do Baile, de Dias e Riedweg e Klavibm II, de Rogério Duprat & Damiano Cozzella
Direção de Arte: Daniela Thomas e Felipe Tassara
Iluminação: Beto Bruel
Paisagens Sonoras,Gravação e Execução da Trilha Sonora: Gustavo Breier
Figurino: Cristina Camargo
Visagismo: Emi Nagano
Consultoria (Direção de Movimento): Renata Melo
Crítico Interno (Dramaturg): Ruy Filho

Resenha

Teatro não é realidade. Evidente. Trata-se da construção estética de algo que pode ou não se assemelhar ao real. Então, teatro mesmo é outra coisa. Uma espécie de jogo entre a verdade e a sua construção. É mais fácil explicar assim, mas nem sempre o teatro é simples. E quando a cena traz tanta realidade que desafia o poético a desconfiar dela? Aí, teatro é mesmo outra coisa. Algo mais próximo do sentir o real. Assiste-se, percebe-se, mas, no fundo, aquilo reconhecido como criação parece mesmo mais próximo do cotidiano do que outra coisa. O teatro tem esse valor, o de trazer ao outro o óbvio. Não é dele o problema de estar preso ao presente. Teatro mesmo é sempre o instante de sua ação. A questão é o quanto você é capaz de reconhecer em você o óbvio do presente. Exige esforço, desprendimento, desconfiança. Exige olhar ao mais profundo e propositadamente esquecido, para dele extrair o que tiver por ali.

E Felipe Hirsch constrói os mecanismos para esse percurso de maneira única. Não se iluda, nada é fácil. Talvez entender, mas quanto ao sentir, sobra angústia e certo tom de prazer em se ver tão exposto. Aquele que se desvela em cena não é alguém, é algo, é um país inteiro e uma cultura de fuga da realidade que, agora, dito com a escrita de quase dez escritores brasileiros, traduz o mais óbvio de nossa condição. Ir ao teatro? Talvez isso seja arriscado demais. Vai que ali, sem permissão, o desnudamento seja tão evidente que não se possa fingir não ser verdadeiramente real o revelado. Puzzle (a), espetáculo criado por Felipe especialmente para o Programa do Brasil – Convidado de Honra da Feira do Livro de Frankfurt 2013, escancara o existir brasileiro da forma mais íntima e crua. O uso da palavra literária ganha valores de teatralização do país impossível de ser combatida. O espetáculo surge fundamental ao existir crítico, revelando na exposição absoluta de sua poética a impossibilidade de fugir da urgência do real. O teatro é sempre óbvio, porque o homem é limitado a ser ele mesmo; difícil é superar a complexidade do aceitar-se igualmente Brasil.

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Puzzle (a) (Foto: Chistiana Carvalho)