Sinopse
A história é ambientada na década de 1980, período fundamental à Bolívia, quando se assistiu a queda da burguesia surgida na década de 1950, até então dominante. Envolvida nessa atmosfera de democracia, durante esse processo, a família B, em férias, percebe que seu sucesso ficou no passado e perdeu significado. É preciso olhar para o futuro, mas a família percebe ser incapaz de mudar as coisas. Essa consciência crescente leva a situação ao insustentável, e a decadência não tem mais como ser escondida. O espetáculo aborda a condição do acomodamento do homem, quando estruturado e confortável, e o quanto é difícil lidar com a perda da segurança. “Um velório sem Deus, uma viagem imóvel para lugar nenhum”, conclui a companhia Textos que Migran.
Ficha-técnica
Direção e Dramaturgia: Percy Jiménez
Elenco: Alejandro Viviani, Luigi Antezana, Mariana Vargas, Maurício Toledo, Ninón del Castillo, Pedro Grossman & Percy Jiménez
Foto: Ana Vargas & Pablo Paniagua
Produtor Associado: Miguelángel Estellano
Direção de Produção: Stella Marini
Resenha
Mudar. Parece simples, mas não é. E parte primeiro da necessidade de compreender como lidar com a mudança. Muda-se como consequência do entorno; muda-se por sobrevivência, conveniência, tentativas de pertencimento ou permanência de invisibilidade. Muda-se, ainda, no querer levar o outro ao diferente; construir um novo outro; muda-se pela ambição de ser a centralidade do que virá. Os muitos sentidos implicam na ação, no movimento de como ou onde o indivíduo se reconhece. Então é fundamental, antes, compreender a própria face para nela ou com ela configurar outro semblante, outra apresentação, outra presença. Essa é dificuldade da família trazida personagem no espetáculo da companhia boliviana Textos que Migran: reconhecer-se. Aqui, não basta entender a si, mas como se pertencer ao contexto em profunda transformação. Para tanto, faz-se necessário conhecer-se antes das mudanças aparecerem, pois, frente a elas, aquele que as enxerga já não é o mesmo, é outro, mudado pelo meio mesmo sem sua permissão.
A investigação cênica de tal procedimento, tanto pela narrativa quanto pelo corpo do ator, dialoga com o fazer teatral contemporâneo, sobretudo no abismo cristalizado entre as gerações novas e a história do teatro recente. Muitos são os artistas em profunda busca pelo novo, pela mudança da cena atual, sem qualquer entendimento de onde e como estavam inseridos. Trazer a Família B sustenta a perspectiva de uma anulação do novo limitado à sua vontade. Mas o espetáculo fala sobre e se propõe a, principalmente, construir a percepção do nacionalismo. São tempos de mudança, como também os são na narrativa. A questão a se perguntar é o quanto o espectador distanciado do envolvimento histórico político de ontem pode reconhecer as mudanças do passado como metáforas das sofridas agora? Ou será que a história se limita a mais um personagem contextualizado por acaso? O teatro não precisa responder a tudo, mas seria incrível que o espectador se mostrasse disponível a reconhecer o quanto tudo ali configura a exposição das mudanças em pleno movimento. Uma peça pode ser um bom entretempo, mas até isso depende de cada um querer e aceitar mudar.