Sinopse
A apropriação de um fato histórico tem configurado bons caminhos para a criação ficcional no teatro atual. Nessa espécie de investigação de um passado possível, muitos são os textos que abordam a fala como discurso de um
imaginário na construção de encontros e conflitos inesperados entre personagens que já existiram. A companhia chilena, seguindo esse mecanismo, apresenta a história de Cristóvão Colombo, descobridor da América, aprisionado pelos reis católicos após entenderem que ele abusou de seu poder nas Índias. O navegador pede uma audiência com a rainha Isabel para tentar sua absolvição. Assim, temas como a relação com os povos indígenas, o poder da Igreja e da oligarquia, a luta de classes, entre outros, surgem como se o presente fosse o espelho da história. A universalidade das épocas e do homem é a resposta mais evidente de um trabalho despojado, cujo foco são os atores e a palavra.
Ficha-técnica
Dramaturgo e Diretor: Trinidad González
Elenco: Jorge Becker, Tomás González e Trinidad González
Encenação: Teatro en el Blanco
Técnicos: Camilo Castaldi e José Tomás Gonzáles
Resenha
Existem nos acontecimentos brechas possíveis ao invento, mesmo dentre os reais e também nos momentos reais. Ficcionalizar os intermeios, portanto, é dar conta de traduzir para o imaginário a história e o passado, atualizando seu eco na constituição do presente. Olhar para trás significa desenhar o agora. Foucault já afirmou isso quando respondeu sobre a necessidade de retornar aos acontecimentos passados como meio de ampliar a observação de um futuro diferente. De certo modo, as representações são exercícios constantes de reconfiguração do olhar sobre acontecimentos. Ao serem transportados ao palco exigem do artista escolhas, leituras, seleções, recortes e abordagens. A história passa a ser o suporte para configurar o discurso, e não a apresentação literal de sua verdade.
Então tudo, o tempo todo, é interessante ao teatro, ainda que alguns momentos se coloquem mais curiosos para a construção de olhares, como a época das grandes navegações. A distância de um período tão repleto de possibilidades oferece à imaginação brechas: tanto uma revisão da história como do próprio homem. São esses espaços, completando o imaginário comum, os capazes de constituir discursos críticos do presente. Por eles, investigam-se os poderes, as sociedades, as culturas, as épocas; valida-se a consciência pela potência das distorções e sobreposições simbólicas, de modo a aproximar as experiências distanciadas no tempo, como o encontro entre Cristóvão Colombo e a rainha Isabel, e sua tentativa de conquistar a própria absolvição. Nesse sentido, assistir ao espetáculo é encontrar espaços para revisar a segurança daquilo que acreditamos ser. Tornando o rever a dimensão inventiva da percepção do tempo e da imaginação.