SESC Mirada » 28-ago https://mirada2012.sescsp.org.br 5 - 15 de setembro de 2012 Mon, 17 Sep 2012 11:54:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=3.4.1 E o verbo se faz carne (nua) na nova peça da Companhia Brasileira de Teatro https://mirada2012.sescsp.org.br/e-o-verbo-se-faz-carne-nua-na-nova-peca-da-companhia-brasileira-de-teatro/ https://mirada2012.sescsp.org.br/e-o-verbo-se-faz-carne-nua-na-nova-peca-da-companhia-brasileira-de-teatro/#comments Tue, 28 Aug 2012 02:06:53 +0000 admin https://mirada.sescsp.org.br/?p=1297 Eles estão atentos às palavras certeiras e são ávidos por descobrir textos que palpitem em seus corpos em cena. Os integrantes da premiada Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba (PR), garimpam textos que eles poderiam ter escrito, dito, e se apropriam deles com propriedade: traduzindo-os (quando necessário), aproximando-os de suas referências culturais, incorporando-os estruturalmente, até que fiquem tão orgânicos e espontâneos quanto um gesto.

Depois de apresentar “Vida”, espetáculo criado a partir de fragmentos da obra do poeta Paulo Leminski, na edição de 2010, a companhia retorna ao MIRADA com “Isso te Interessa?”, peça que estreou este ano, baseada no conto “Bon, Saint-Cloud”, da francesa Noëlle Renaude – autora até então inédita no Brasil -, na qual os atores Nadja Naira, Ranieri Gonzalez, Giovana Soar, Rodrigo Ferrarini e Rodrigo Bolzan se revezam em personagem/narrador/ator para acompanhar três gerações de uma mesma família.

O espetáculo – que terá apresentações nos dias 10 e 11 de setembro, com os ingressos esgotados – estreia em um novo espaço cultural em Santos: o C.A.I.S. Vila Mathias. Leia, abaixo, entrevista com a atriz Nadja Naira (foto acima), que integra a companhia e soma mais de 20 anos dedicados ao teatro:

Blog do MIRADA – Esta é a segunda vez da Companhia Brasileira de teatro no MIRADA. Como foi a primeira experiência dos atores no Festival e qual a expectativa para este?

Nadja Naira - A companhia tem participado de diversos festivais no País, mas o MIRADA se destaca na questão da visibilidade internacional. Ver espetáculos de fora e ser visto por colegas de companhias e curadores estrangeiros é bastante importante para manter um diálogo atualizado do nosso trabalho, e perceber como o nosso trabalho é recebido por estrangeiros.
No espetáculo “Vida” trabalhamos com conceitos de tradução (de língua, linguagem e cultura) e também coma ideia de exílio (físico, geográfico e cultural). Temas muito apropriados e discutidos dentro de um festival internacional como o MIRADA.
Na edição anterior, conseguimos estar muitos dias no Festival, ver muitas peças e debates, mesas de discussão. Desta vez passaremos muito rápido pelo Festival, pois a agenda está muito complicada, mas esperamos reencontrar espaços pra trocar ideias com parceiros antigos e fazer novas parcerias.

Em 2010, vocês trouxeram para o MIRADA o espetáculo “Vida”, baseado na obra do poeta conterrâneo da companhia Paulo Leminski. Agora, em “Isso te Interessa?” é a obra da francesa Noëlle Renaude que vocês levam à cena. Como vocês descobriram o texto “Bon, Saint-Cloud” e como é o trabalho de garimpagem de textos que a companhia empreende a cada nova montagem?
A Giovana Soar (atriz e tradutora) é a nossa fonte maior de pesquisa de novos textos. Ela lê muito os franceses, principalmente os contemporâneos, e promove oficinas de tradução. Assim podemos ter contato com muitos autores e textos desconhecidos por aqui e que nos interessam. O Marcio Abreu (nosso diretor) também viaja muito, vê muita peça e busca autores que tenham pesquisas semelhantes às nossas, que poderiam ser traduzidas e adaptadas por nós, como se fossem obras/textos nossos.
“Bon, Saint-Cloud” foi sugerido ao Marcio pela Giovana. Ele mesmo começou a traduzir a peça, e ao estudar e ler o texto, nós percebemos que ele nos interessava, sua forma de narrativa, sua maneira de tratar a história e o tempo. Era um desafio e resolvemos enfrentá-lo. Nunca tínhamos experimentado a forma proposta pela autora e resolvemos nos colocar em cena para pesquisar e entender essa mistura de personagem/narrador/ator que convivem na mesma cena, na mesma frase.

Uma vez escolhido o texto que desejam montar, como vocês o incorporam?
É bem como o processo de aproximação com os textos, de começar pela questão da tradução e, portanto, da adaptação para nossa língua e para nossa referência cultural. E, claro, ao colocar na boca do ator, no corpo do ator, vamos aos poucos dominando suas estruturas e construindo uma forma de contar a história proposta pelo autor.
Os textos que escolhemos poderiam ter sido escritos por nós mesmos, é assim que eles entram no nosso repertório. Eles são escolhidos porque são inevitáveis no nosso processo de pesquisa, na nossa procura do como contar uma história, como se comunicar com o público, como abrir um caminho para a escuta do outro.

Não há como não abordar a questão da nudez dos atores. De quem partiu a ideia de atuar nus e como vocês receberam essa decisão?
No “Bon, Saint-Cloud” tudo está à mostra, o ator, o narrador, as rubricas, os personagens, o tempo, o passar do tempo.  Não há truques escondidos, não há outra maneira de fazer que não desprovida de artifícios. O cenário é a base mínima para que as situações familiares aconteçam. O tempo cronológico de três gerações passa em 45 minutos. Como fazer isso em cena sem truques de cenografia, de figurino? Que figurino poderia servir a um ator/narrador/personagem? A um personagem que começa adolescente e termina mãe de gêmeos 20 ou 30 anos depois? Fomos aos poucos chegando ao essencial, ao mínimo, e o Marcio nos trouxe a proposta da nudez. Não havia porque resistir à ideia. Ela era coerente, convincente. Claro que dúvidas em relação à sobreposição disso ao próprio texto nos foram frequentes até colocarmos a ideia em prática. E assim que testamos tivemos certeza da decisão. A nudez fortalece o discurso do texto, mas não é sugerida pela autora.

O que significa esse desnudar-se em cena? O que isso ativa no ator, e o que você observa que ativa no público?
Talvez num primeiro momento, no primeiro olhar, o público se pergunte ‘por que essa nudez?’. Contar uma história narrativa, nus, e tão próximos do público, talvez pareça estranho, difícil de superar a nudez e ouvir o texto, a história, perceber a situação. Mas rapidamente a nudez desaparece, o interesse pelos detalhes dos corpos, dos sexos dos atores, se desfaz e fica a limpeza, a clareza das relações e a verdade da tentativa do diálogo com o público.

Como fazem a transição de um personagem para outro, uma vez que não há elementos óbvios, como figurinos, que sinalizem a mudança de personagem para o público?
Na verdade não revezamos personagens, sempre contamos a história a partir do narrador. Mostramos os personagens. Fazemos citações das situações familiares vividas por eles, mostramos como esses personagens que contamos se relacionam. Mas se pensarmos bem, sempre mostramos os mesmos personagens. O Ranieri Gonzalez faz o pai, a Giovana Soar faz a mãe, o Rodrigo Ferrarini ou o Rodrigo Bolzan (que se revezam nos espetáculos) fazem o irmão e eu faço a filha. Todos nós fazemos também cachorros. Essa proposta é do texto.
No texto está escrito: “Meu pai, diz o pai, tinha, o pai fuma, do seu pai a obstinação que eu tenho do meu pai e que não, suspira o pai, consegui, o pai fuma, te transmitir, é uma pena, e o pai pára e o pai fuma.” Assim quem fala é certamente o pai para um dos filhos. Mas não existe rubrica de como ou para quem ele fala, não há travessão nem indicação de onde a situação acontece. Então, dentro da mesma frase precisamos contar, narrar, mostrar. É sem dúvida uma ginástica, um exercício, um movimento constante de entrar e sair das relações entre os personagens e/ou diretamente com a plateia. Alguns elementos nos ajudam a contar, o cenário suporta a casa da família, os objetos que se movem ajudam o tempo passar, a luz mistura os corpos e o cenário e permite que o olhar no ator chegue diretamente ao olhar do público, com franqueza, sem obstáculos. Elementos de figurino como os sapatos, nos ajudam também a situar o público e o tempo. Por exemplo, a filha que é jovem e usa tênis depois vira mãe de gêmeos e então ela usa sapatos de salto, e o tempo passa numa simples troca de sapato.

Como é o trabalho de preparação corporal dos atores da companhia brasileira?
Pra nós tudo vem da palavra, do texto. As provocações que ele nos traz. As relações familiares nos mostraram o caminho para os personagens (pai, mãe, filho) e também para os cachorros. Temos que entrar e sair dos desenhos físicos dos cães e dos outros personagens com precisão e velocidade. Estamos sempre alertas e disponíveis para que a palavra passe por nós, pela nossa cabeça, pela nossa respiração, pela nossa voz, no momento exato em que contamos. Precisamos ser ágeis e precisos em ritmo, em intensidade e em velocidade. Buscamos o tempo real o momento em que contamos. Nos preparamos para estarmos vivos, inteiros, expostos. É um trabalho de preparo para estar despreparados no momento da ação, de dizer a palavra. Não temos nenhuma técnica específica ou algum trabalho dirigido e/ou acompanhado de profissionais do corpo. Vamos nos permitindo, usando todos os nossos recursos, e cada vez mais avançando no conhecimento do nosso corpo expressivo.

Você tem mais de 20 anos de dedicação às artes cênicas, onde é conhecida como “faz tudo”, uma vez que trabalha com iluminação em trabalhos Brasil afora. De onde vem essa versatilidade e desejo de atuar em diferentes frentes no teatro?
Sempre encarei o teatro como local de trabalho diário e de disponibilidade total. Acabei aos poucos me infiltrando em várias áreas do teatro. Fiz curso de formação de atriz em nível superior, depois fui trabalhar como operadora de luz e som (e adorava ver os atores repetirem todas as noites de formas diferentes a mesma situação, a mesma ação). Depois me interessei pela luz graças à Nádia Luciani e ao Beto Bruel, colegas de Curitiba. Comecei a trabalhar como iluminadora e atriz profissional. Aos poucos fui gostando do texto, de escolher, de entender as palavras e de ajudar o ator a dizer as palavras. E juntar o texto, as imagens, os sons, mixar tudo para dizer algo a alguém que escuta, que observa, que quer ver, é uma sensação incrível.
Brinco que virei uma palpiteira profissional. No fundo me encanto com o trabalho total, desde a produção até a saída do público. Quero mesmo saber o que eles pensam, como reagem, como percebem a peça e o que fica de vestígio dela nas suas vidas. Não importa a função, me sinto completa fazendo qualquer função, desde que eu possa realmente me expressar, dizer o que penso e ajudar meus companheiros a chegar a uma ação artística.
Circular em várias companhias e linguagens (teatro, dança, ópera, música) e em várias estéticas também foi me trazendo versatilidade e visão ampla do processo criativo sobre o palco. Acho que é o que todo artista busca, se tornar alguém melhor, um artista melhor, esse é um objetivo diário e de longo prazo.

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